A reabilitação política e penal de José Dirceu, que agora desfila como se fosse um exemplo de integridade, é um ultraje aos brasileiros que acreditaram em um país mais decente. A decisão recente da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de encerrar os dois últimos processos contra o ex-ministro no âmbito da Lava Jato consolida um dos maiores paradoxos da política nacional: um sistema em que o crime parece compensar, desde que o condenado tenha paciência e conexões suficientes para reverter seu destino, é o que diz parte do contundente editorial do Estadão.
Dirceu, figura central nos escândalos do mensalão e do petrolão, teve suas condenações – que somavam mais de 20 anos de prisão – anuladas graças a decisões judiciais que beneficiaram diretamente a cúpula do PT. Em outubro, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), anulou os atos processuais realizados pelo então juiz Sérgio Moro contra Dirceu, argumentando que ele também teria sido vítima de uma suposta “ação coordenada” entre Moro e os procuradores da Lava Jato.
Essa decisão, alinhada com outras medidas do STF que desconstroem o legado da maior operação de combate à corrupção do país, abriu caminho para que Dirceu recupere seus direitos políticos. Não bastasse, ele já expressou publicamente o desejo de retornar ao Congresso em 2026, como se os escândalos de corrupção nos quais esteve envolvido não tivessem ocorrido.
A reabilitação de Dirceu não é apenas jurídica, mas também política e social. Em março, sua festa de aniversário em Brasília foi o palco da celebração de sua volta ao jogo político. O evento reuniu cerca de 500 convidados, incluindo membros da elite política e econômica do país. Dirceu foi tratado como uma espécie de estadista, e não como um criminoso condenado por corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa.
Nenhum dos presentes demonstrou constrangimento em homenagear um homem cuja trajetória política se confunde com alguns dos momentos mais sombrios da história recente do Brasil. Ao contrário, ele foi exaltado como um oráculo político, peça chave para os planos do PT nos próximos anos.
A decisão do STF que beneficiou Dirceu e tantos outros envolvidos na Lava Jato não questiona a materialidade dos crimes. Não há dúvidas sobre os atos ilícitos que resultaram em desvios bilionários dos cofres públicos. Ainda assim, a tese de “suspeição” de Moro e a invalidação de provas obtidas por meios supostamente ilegais foram suficientes para desmontar todo um trabalho que expôs a profundidade da corrupção sistêmica no Brasil.
Essa inversão de valores transformou réus confessos e condenados em mártires de uma suposta perseguição judicial, permitindo que voltem ao cenário político com ares de inocência. José Dirceu é o símbolo máximo desse absurdo: um criminoso que, em vez de pagar por seus atos, renasce como se fosse vítima.
O caso de José Dirceu é um reflexo de um país em que a corrupção se perpetua porque aqueles que deveriam enfrentá-la cedem à pressão política ou preferem reescrever a história. É uma mensagem devastadora para os cidadãos de bem: a de que o esforço por um Brasil mais justo é constantemente frustrado por um sistema que premia os maus e castiga os justos.
A reabilitação de Dirceu escancara o fracasso das instituições em garantir que os poderosos sejam responsabilizados por seus crimes. Enquanto isso, a população, que paga o preço da corrupção com serviços públicos precários e falta de oportunidades, é relegada ao papel de espectadora impotente.
O Brasil não precisa apenas de líderes políticos mais éticos; precisa de um sistema de Justiça que não se curve a interesses ideológicos ou partidários. Caso contrário, continuaremos a ver figuras como José Dirceu livres, leves e soltas, enquanto a sociedade permanece presa ao ciclo interminável de impunidade e desigualdade.
(Com informações do Estadão)