Os turistas frequentemente descrevem sua experiência em Cuba como uma viagem ao passado, com a chance de tirar fotos e passear em carros dos anos 1940 e 1950 que ainda circulam pela ilha. Hospedados em confortáveis hotéis internacionais à beira do cristalino mar do Caribe, com um mojito gelado na mão, não é difícil adotar um olhar romântico. No entanto, para os cubanos, a realidade é mais sombria e se assemelha a um cenário distópico.
Fora das zonas turísticas, muitos dos veículos antigos — fabricados antes da revolução de 1959 — são praticamente sucata em movimento e frequentemente operam como táxis coletivos improvisados. A infraestrutura urbana de Havana está em rápida deterioração devido à falta de manutenção, com prédios inteiros desmoronando a ponto de parecerem bombardeados. A vida cotidiana para muitos cubanos é marcada pela escassez.
Em março, o Programa Mundial de Alimentos da ONU recebeu um pedido sem precedentes de Havana para ajuda na distribuição de leite para crianças menores de sete anos. Em julho, o Canadá emitiu um alerta oficial sobre as dificuldades enfrentadas pelos viajantes em Cuba, mencionando a falta de itens básicos como alimentos, medicamentos e combustível.
Em entrevista à Folha, o conselheiro e vice-chefe da Embaixada de Cuba no Brasil, Melne Hernández, e o cônsul em São Paulo, Benigno Fernández, atribuíram os problemas a Cuba à sua reincorporação na lista de patrocinadores do terrorismo pelos Estados Unidos, mas negaram a existência de fome no país.
No entanto, os cubanos relatam dificuldades significativas para realizar três refeições completas por dia, com muitos idosos passando fome. A oferta de alimentos básicos é limitada, e a inflação torna a compra dos produtos disponíveis um desafio. Nas “tiendas”, mercados que aceitam moeda estrangeira, um pacote de café de 500 gramas pode custar quase US$ 8,90 (R$ 50).
Muitos passam o dia lidando com a burocracia para conseguir alimentos, e a maioria sobrevive com o “livreta de racionamento”, um pequeno caderno azul que também está em falta. Aproximadamente 30% da população não tem acesso às “bodegas”, onde alimentos são vendidos a preços reduzidos, devido à escassez de insumos para produzir novas livretas.
A cesta básica encolheu significativamente. Anteriormente, incluía carne bovina, frango, óleo, manteiga, leite condensado, papel higiênico, arroz, grãos, doces, biscoitos, chocolates, cigarros e refrigerantes. Atualmente, inclui apenas itens como chícharo, óleo, café e arroz.
Em Havana Velha, área arquitetônica preservada para turistas, cubanos frequentemente pedem ajuda aos visitantes, não só com dinheiro e comida, mas também com roupas, sapatos e medicamentos, como Tylenol.
As farmácias oficiais estão vazias e o sistema de saúde, outrora modelo no regime, está deteriorado. Os hospitais enfrentam escassez de medicamentos e insumos, e pacientes e familiares muitas vezes precisam trazer ou pagar pelos materiais necessários.
O racionamento de combustível é evidente, com postos variando entre filas enormes e vazio total. Apesar dos investimentos em energia renovável, a ilha ainda depende de energia térmica, resultando em apagões frequentes. Em março, um grande blecaute causou protestos em várias cidades, sendo as maiores manifestações desde julho de 2021.
O setor agrícola também enfrenta problemas, como a falta de sementes, fertilizantes e maquinário. Em uma viagem pelo interior, é comum ver a produção de arroz exposta ao sol na estrada, com agricultores trabalhando em condições precárias.
A deterioração econômica é visível nos indicadores oficiais, com o PIB (Produto Interno Bruto) crescendo a uma taxa muito menor do que na década anterior à pandemia. A desigualdade está aumentando, e a balança comercial, essencial para a economia cubana, está estagnada. O investimento caiu drasticamente.
Desde a imposição do bloqueio dos Estados Unidos na década de 1960, Cuba tem enfrentado altos e baixos na geopolítica. O momento atual representa uma tempestade perfeita contra a ilha. Além da pandemia, que fechou o país por um período, a reincorporação na lista de países patrocinadores do terrorismo e problemas no comércio com parceiros importantes
agravaram a situação.
A Guerra na Ucrânia também complicou a logística de abastecimento de Cuba, e a crise na Venezuela, que começou com a morte de Hugo Chávez em 2013, prejudicou ainda mais o fornecimento de petróleo. Muitos cubanos têm optado por deixar o país, com a população declinando desde o pico de 11,2 milhões em 2015, e um êxodo significativo registrado em 2021.
Os turistas atentos podem notar a insatisfação generalizada. Produções culturais e artefatos expostos em cafés e restaurantes frequentemente refletem o descontentamento. Uma das obras, imitando a logomarca da Coca-Cola, resume o espírito do momento: “Revolución zero calories. No sugar. Great revolution. Taste.”