O consenso sobre uma taxa Selic de um dígito chegou ao fim com a revisão para 10% no boletim Focus desta segunda-feira, 20. Essa mudança ocorreu logo após a divulgação da ata do Comitê de Política Monetária (Copom), que detalhou a divisão entre os diretores que preferiam manter ou reduzir o ritmo de cortes. A expectativa de juros mais altos veio acompanhada de uma piora nas projeções de inflação para os próximos anos, com o IPCA previsto para 2024 e 2025 em 3,8% e 3,74%, respectivamente, acima da meta de 3%.
Na última votação, cinco diretores optaram por um corte de 0,25 ponto percentual (p.p.), enquanto outros quatro defenderam a continuidade do corte de 0,50 p.p. O detalhe relevante é que todos os diretores que apoiaram um corte mais acentuado foram indicados pelo atual governo. Esta diretoria, nomeada pelo governo atual, se tornará maioria até o final do ano, coincidindo com o término do mandato do presidente do BC, Roberto Campos Neto.
Essa decisão levantou a ideia de um possível novo rumo no Banco Central. Isso pode aumentar as expectativas de inflação, o que encarece a política monetária, como afirmou Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor do BC e chairman da Jive-Mauá, em uma recente entrevista ao Vozes do Mercado, da Exame.
Manter as expectativas de inflação próximas à meta e controlar a inflação atual são os principais objetivos do Banco Central, que dispõe de várias ferramentas, sendo a taxa de juros de curto prazo uma das mais importantes por influenciar toda a economia.
No entanto, apenas indicar uma maior sensibilidade a cortes de juros, apesar dos riscos crescentes, pode ter o efeito oposto, como alertou Bruno Serra, ex-diretor do BC e gestor do Itaú, em um evento com investidores após a divulgação da ata do Copom. “O ciclo de corte de juros está limitado porque o mercado está questionando a credibilidade dessa transição no Banco Central”, disse.
Diante da reação negativa, um dos diretores indicados pelo atual governo e favorito para assumir a presidência do BC, Gabriel Galípolo, recuou e admitiu, em um evento em Nova York, que considerou um corte de 0,25 p.p. na última reunião. Campos Neto, em entrevista ao Estadão, também adotou um tom mais duro, deixando aberta a possibilidade de interromper o ciclo de cortes na próxima decisão, mesmo com a Selic em 10,5%.
Nas últimas semanas, a projeção da Selic para o final deste ano subiu de 9% para 10%, enquanto a estimativa para o final de 2025 passou de 8,5% para 9%. No entanto, apesar das incertezas em relação ao BC, a piora do cenário macroeconômico é um fator relevante.
O fim da “ilusão fiscal”
Um dos principais motivos para a maior cautela na condução da política monetária é a piora das perspectivas fiscais, conforme destacado pelo próprio BC. Em abril, o governo decidiu revisar a meta fiscal para os próximos anos, abandonando a ideia de superávit primário em favor de zerar o déficit até 2025, além de alterar as metas para 2026, 2027 e 2028. Essa mudança gerou preocupações quanto aos limites de crescimento real dos gastos estabelecidos pelo arcabouço fiscal.
O cenário externo também se deteriorou, com dúvidas sobre o início dos cortes de juros nos Estados Unidos, o que afeta globalmente os mercados financeiros.
Fator Fed
No caso do Brasil, quanto mais tempo o Federal Reserve (Fed) dos Estados Unidos demorar para iniciar o ciclo de corte de juros, mais pressionada fica a moeda brasileira, limitando a atuação do Banco Central. Isso ocorre porque, se o Brasil reduzir sua taxa de juros e os EUA mantiverem a deles estável, o diferencial de juros entre as duas economias diminui, tornando menos atrativos os títulos brasileiros.
No início do ano, havia expectativas de até sete cortes de juros pelo Federal Reserve, iniciando em março. Até agora, nenhum ocorreu, e poucos no mercado preveem mais de dois cortes ainda em 2024. Para muitos, pode haver apenas um corte após as eleições americanas, considerando possíveis questionamentos políticos sobre mudanças durante a corrida eleitoral.
Apesar de ter conseguido reduzir a inflação para níveis mais baixos, o Federal Reserve enfrenta dificuldades para atingir sua meta de 2%. O índice de preço sobre consumo pessoal (PCE), a principal métrica de inflação do Fed, acelerou novamente em março, atingindo 2,7%, o maior desde outubro. Uma preocupação é a resistência do mercado de trabalho, que permanece com baixo desemprego mesmo com o aumento dos juros. Para alguns economistas, seria necessário um aumento do desemprego para controlar suficientemente a inflação e justificar cortes de juros.
David Beker, economista de América Latina do Bank of America, acredita que, diante dos crescentes riscos, o Banco Central fará apenas mais um corte de 0,25 p.p. em junho e encerrará o ano com a Selic em 10,25%. Ele espera que o Fed inicie o ciclo de cortes de juros no final do ano, o que pode facilitar o retorno do BC aos cortes da Selic no Brasil. A projeção do Bank of America, assim como a do Focus, é de uma Selic de 9%, mas apenas em 2025.