Trocas de mensagens entre auxiliares de Alexandre de Moraes no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) revelam como o ministro instruiu o aumento da pressão sobre o Twitter/X após Elon Musk assumir a empresa e se recusar a moderar conteúdo conforme as diretrizes estabelecidas pelo magistrado.
Essas informações foram divulgadas em uma série de reportagens do jornal Folha de S.Paulo, que teve acesso a conversas entre juízes que auxiliam Moraes, tanto no Supremo Tribunal Federal (STF) quanto no TSE, além de membros da Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação (AEED). A partir de 13 de agosto, a Folha vem relatando o conteúdo dessas conversas.
Segundo o jornal, a decisão de pressionar a rede social foi tomada após Musk assumir o controle da empresa e resistir aos pedidos de moderação do TSE. As mensagens obtidas pela Folha, datadas de março de 2023, mostram o início do conflito entre a plataforma e Moraes, que culminou na suspensão do Twitter/X no Brasil.
Em 2022, o TSE estabeleceu parcerias com redes sociais para solicitar a remoção de publicações que, na visão da Corte, propagavam desinformação ou discurso de ódio. Contudo, com Musk no comando, a plataforma começou a resistir aos pedidos de Moraes.
As conversas acessadas pela Folha são de um grupo no WhatsApp composto pelo juiz auxiliar de Moraes no TSE, Marco Antônio Vargas, e por integrantes da AEED. Após diversas reuniões e a confirmação da resistência de Musk, Moraes decidiu adotar uma postura mais rígida em relação à empresa.
“Então vamos endurecer com eles”, disse Moraes em mensagem reencaminhada por Vargas no grupo. “Prepare relatórios sobre esses casos e encaminhe para o inquérito das fake news. Vou ordenar a remoção, sob pena de multa.”
Desde então, Moraes aplicou multas e ordenou a remoção de conteúdos no Twitter/X por meio de decisões do STF.
Quando procurados pela Folha, nem Moraes nem o STF se manifestaram.
Moraes utilizou o TSE como braço investigativo para o inquérito das fake news
Conforme a Folha revelou, Moraes passou a utilizar a AEED como um braço investigativo para fornecer informações ao inquérito das fake news, do qual ele é o relator no STF.
A conversa sobre a mudança de postura em relação ao Twitter/X ocorreu em 17 de março de 2023. Naquela manhã, às 6h58, o juiz auxiliar Marco Antônio Vargas compartilhou uma publicação sobre a soltura de presos pelos atos de 8 de janeiro.
“Foi o ‘Tribunal Internacional’”, dizia parte da postagem. “O Mula, Xandão e este governo usurpador estão sendo acusados de crimes contra a humanidade (prisões ilegais, tortura, campos de concentração, mortes, etc.).”
“Bom dia, preciso do contato do Twitter”, solicitou o juiz no grupo. Uma funcionária da AEED forneceu o número de Hugo Rodríguez, então representante da empresa para a América Latina.
Logo após, outro membro do órgão de combate à desinformação, Frederico Alvim, se ofereceu para entrar em contato com a plataforma.
“Você pode verificar com ele se eles podem analisar postagens desse tipo?”, perguntou o juiz.
“Sim”, respondeu Alvim. “A ideia seria expandir um pouco o escopo da parceria para que questões como essa possam ser enviadas pelo sistema de alertas, recebendo um tratamento adequado.”
Alvim então explicou ao juiz como funcionava a moderação de conteúdo na plataforma e qual seria o caminho para conseguir que o Twitter/X removesse o tipo de publicação mencionado.
“Pedir uma alteração formal da política seria muito demorado e complicado, pois dependeria da boa vontade da equipe global, agora subordinada ao Musk”, disse Alvim. “Acredito que a saída mais fácil seria pedir uma calibração da interpretação da política já existente.”
Segundo ele, a política de integridade da plataforma se aplicava em três situações: eleições, censo e grandes referendos e outras votações nacionais.
Como não estavam em período eleitoral, a abordagem seria “defender que, embora as eleições tenham terminado e o novo presidente tenha sido empossado, esses ataques mantêm a possibilidade de novos conflitos.”
Às 9h45, Alvim informou ao juiz que havia agendado uma reunião com o representante da plataforma para as 12h daquele dia.
“Vou tentar o seguinte, nesta ordem de preferência: 1) que removam o conteúdo e se comprometam a remover outros semelhantes sempre que acionarmos pelo sistema de alertas; ou 2) que ao menos removam esse imediatamente enquanto discutimos ajustes nas políticas (em uma reunião com o senhor)”, disse Alvim. “Perfeito”, respondeu o juiz.
Após discutir a estratégia, Alvim antecipou as dificuldades enfrentadas com Musk no comando da empresa.
“Vou ver o que consigo”, disse. “Mas ele já adiantou que, com a entrada de Musk, a equipe dele deixou de tomar decisões de moderação. Essas decisões estão sendo tomadas por um colegiado, do qual eles não participam.”
Às 12h35, logo após a reunião com Hugo Rodríguez e uma pessoa chamada Adela, Alvim enviou algumas mensagens no grupo para informar o auxiliar de Moraes sobre o resultado da conversa.
Twitter/X informou que seguiria regras gerais fora do período eleitoral
De acordo com Alvim, o representante da plataforma deixou claro que fora do período eleitoral, as regras a serem seguidas seriam as gerais, sem tratamento específico para o TSE ou para publicações como as enviadas pelo juiz auxiliar.
“Com a entrada de Elon Musk, a moderação está cada vez mais focada na proteção da segurança, em vez da proteção da verdade”, disse.
“Em outras palavras, uma mentira que não esteja associada a um risco concreto tende a não ser moderada”, afirmou Alvim.
“A moderação só ocorre quando há discurso violento, discurso de ódio ou incitação a algum tipo mais palpável de dano (como depredação ou coisa do tipo)”, acrescentou. “Com o detalhe de que o ‘risco à democracia’, por não ser tangível, não entra nesse conceito.”
Ainda segundo o relato da Folha, para derrubar ou bloquear as publicações com ofensas ao ministro, seria necessária uma intervenção judicial.
“Tentei convencê-los a remover o conteúdo, apontando que as regras deles consideram irregulares os casos de assédio, incluindo insulto”, afirmou. “Mas, na visão do Twitter, o insulto por si só (sem risco de violência) não justifica a moderação, porque eles não estão protegendo a honra, mas sim, novamente, a segurança.”
As notas de comunidade
O representante da plataforma explicou que o combate à desinformação seria realizado com ferramentas como as “notas de comunidade”, ou seja, quando uma postagem com desinformação é marcada dessa forma a partir de denúncias de usuários.
“Segundo estudos que eles realizaram ao longo de dois anos, os tuítes marcados com notas de comunidade têm uma redução de 20% a 40% no potencial de enganar pessoas”, disse Alvim.
Às 12h58, após informar que repassaria as informações ao ministro, o juiz Marco Antônio Vargas reenviou uma mensagem recebida de Moraes com a decisão a ser tomada a partir daquele momento.
“Moraes: Então vamos endurecer com eles”, disse o ministro. “Prepare relatórios sobre esses casos e encaminhe para o inquérito das fake news. Vou mandar tirar sob pena de multa.”
“Resolvido”, respondeu Marco Antônio Vargas no grupo. “Vamos caprichar no relatório para esse fim.”