Dólar Hoje Euro Hoje
quarta-feira, 2 outubro, 2024
Início » Drogas no casco: Marinha revela esconderijos submarinos do crime organizado

Drogas no casco: Marinha revela esconderijos submarinos do crime organizado

Por Marina B.

Sob um sol escaldante, um contingente de aproximadamente 50 militares, adentra um navio cargueiro para uma nova inspeção no Porto de Santos, o maior do hemisfério sul. Ao longo de seis horas, equipes se distribuem pelos 12 andares da embarcação, realizando vistorias que abrangem desde o uso de cães farejadores até mergulhadores em busca de carregamentos de drogas.

É precisamente na parte submersa das embarcações que o Primeiro Comando da Capital (PCC), a maior facção criminosa do continente, tem ocultado um volume cada vez maior de cocaína para evitar as autoridades. Os portos representam a principal rota de saída da droga com destino à África e Europa.

Em novembro, o governo federal emitiu um decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), autorizando a intervenção militar nos portos e aeroportos de São Paulo e Rio de Janeiro até maio, numa tentativa de conter o narcotráfico. O jornal Estadão acompanhou um dia de trabalho da Marinha e entrevistou autoridades envolvidas nas investigações.

Segundo Anderson Pomini, presidente da Autoridade Portuária de Santos, “atualmente, a principal tática utilizada pelos traficantes é fixar a droga no casco do navio”. Embora não represente a maior quantidade de apreensões, o uso de “caixas de mar” (recipientes localizados no casco), está ganhando força em comparação com estratégias mais tradicionais, como esconder os pacotes entre grãos nos contêineres.
Essa prática da utilização de “caixas de mar”, não é nova. Na década de 80, no Porto do Rio de Janeiro, apareceu morto um mergulhador desconhecido, em uma área totalmente imprópria para mergulho. A Marinha do Brasil foi acionada e mergulhadores fizeram várias inspeções nos navios próximos, mas nada foi encontrado. Entretanto na época, levantou-se a hipótese de contrabando de drogas ou até mesmo uma sabotagem.

No transporte de cargas para Europa e África, o tráfico por contêineres é mais arriscado, pois geralmente são submetidos a scanners assim que chegam aos terminais. Por esse motivo, o casco dos navios torna-se atraente, já que é mais difícil de fiscalizar, embora permita o envio de uma quantidade menor de drogas por vez.

Uma operação conjunta da Polícia Federal (PF), Receita Federal e Marinha no início de 2023, resultou na apreensão de cerca de 290 kg de cocaína, encontrados no casco de um navio carregado de celulose. Os traficantes chegaram a utilizar anilhas de academia para fixar os pacotes no compartimento que existe na parte inferior do casco, que é alagada. É fixado nos pacotes, um chip rastreador, facilitando aos traficantes, que assim sabem onde está a carga.
O navio, que se dirigia ao Porto de Martas, na Turquia, estava ancorado na área de fundeio do Porto de Santos durante a vistoria.
A Polícia Federal prendeu um mergulhador suspeito. Ele foi acusado de ser o colocador das drogas aqui no Brasil e de pegar um voo para ir ele mesmo, retirar a droga na África.

As investigações indicam que os pacotes geralmente são transportados para os navios de duas maneiras: por meio de pequenas lanchas, que operam principalmente à noite com as luzes apagadas, ou por mergulhadores que partem de áreas de mata ou de embarcações mais afastadas.

As apreensões no casco triplicaram e atingiram 1,68 tonelada no último ano no Porto de Santos, realizadas por mergulhadores militares, mais que triplicando os 483 quilos interceptados em 2020, conforme levantamento exclusivo do Estadão junto à Marinha.

Dados da Alfândega de Santos, obtidos pelo Núcleo de Estudos da Violência da USP, mostram como o tráfico submarino tem crescido. Em 2020, a proporção de drogas encontradas nos cascos dos navios era de 2,3% do total. Em 2023, até agosto, essa fatia saltou para 13,5%. Coincidentemente no ano que governo Lula 3 começou…

“Com 24,6 km de canal, 60 berços de atracação e mais 60 navios esperando na área de fundeio (através do atracador), totalizando 120 navios, como podemos fiscalizar tudo isso?”, destaca Pomini. “Seriam necessários pelo menos 250 mergulhadores, com suas próprias lanchas, equipamentos e infraestrutura.”

A Guarda Portuária não dispõe de mergulhadores, mas atualmente quatro profissionais da Marinha estão em serviço. Em Santos, há um reforço de aproximadamente 400 militares devido à GLO. As equipes em operação são rotacionadas continuamente pela Marinha.

“Entendemos que os números (de efetivo) são limitados diante da extensão do Porto de Santos, mas nosso objetivo é utilizar informações de inteligência para agir pontualmente, porém com precisão”, diz o capitão dos Portos de São Paulo, Marcus André de Souza e Silva.

O anúncio da presença militar, fez os traficantes desistirem temporariamente da estratégia de esconder cocaína nos cascos. A média de mergulhos passou de um a cada oito dias, para um mergulho diário. Apesar do aumento, a capacidade de inspeção é limitada, em comparação com o volume de tráfego no porto.

Dos aproximadamente 30 navios que partem dos terminais diariamente, cerca de 10% são vistoriados de alguma forma pela Marinha. As embarcações-alvo são selecionadas com base em informações de inteligência, sendo que apenas uma minoria é submetida a uma inspeção mais minuciosa, com duração de seis horas, como a acompanhada pelo Estadão. Uma parcela ainda menor passa pela inspeção subaquática.

Durante os quatro meses de GLO, houve duas apreensões significativas de cocaína em Santos com a colaboração da Marinha: uma de 10 kg, encontrada junto aos corpos de dois tripulantes estrangeiros de uma embarcação, e outra de 31 kg, escondida em um compartimento no alto do banheiro de um navio.

Apesar de a fiscalização ter avançado, o crime organizado adapta e sofistica suas estratégias. “Antes, mochilas contendo tabletes de drogas eram simplesmente jogadas dentro dos contêineres”, disse Gabriel Patriarca, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP.

A cooperação com outros órgãos, como PF, Receita Federal e Guarda Portuária, é considerada essencial pela Marinha para o sucesso na seleção dos alvos. A Polícia Civil também participa de operações conjuntas.

A Autoridade Portuária está investindo em uma estrutura de tecnologia no valor de R$ 140 milhões, incluindo drones subaquáticos, além do aumento do efetivo da Guarda Portuária. A previsão é que o plano seja implementado no segundo semestre.

“O PCC é a principal e talvez única organização criminosa que atua aqui no Estado de São Paulo, especificamente no Porto de Santos. Estamos monitorando e combatendo isso com um trabalho eficaz de inteligência”, diz o capitão de Mar e Guerra Carlos Eduardo Gonçalves Maia, chefe de Estado-Maior do Grupo Tarefa Santos da GLO.

Por ano, mais de 5 mil navios atracam no porto, destacando-se pela exportação de soja, açúcar e carne bovina. Os principais destinos das embarcações são Ásia e Europa, que também são alguns dos locais de revenda de drogas pelo PCC.

“Muitos traficantes que atuavam na região (vendendo drogas localmente) e que conseguiram enviar drogas para fora, acabaram fazendo duas coisas (tráfico interno e externo), enviando de 100 a 200 kg por mês”, diz o promotor de Justiça Silvio Loubeh, que atua no braço de Santos do Gaeco do Ministério Público de São Paulo.

As investigações do MP indicam que a facção paga de US$ 1,2 mil a US$ 1,4 mil (entre R$ 6 mil e R$ 7 mil), por quilo de cocaína a fornecedores de países vizinhos, como Colômbia, Peru e Bolívia. Na Europa, a droga é vendida por cerca de € 35 mil.

Conforme reportagem do Estadão, estima-se que o PCC envie de 4 a 5 toneladas de cocaína para outros países por mês, especialmente por meio dos portos. E, segundo cálculos do MP, a facção lucra cerca de US$ 1 bilhão (quase R$ 5 bilhões) por ano, principalmente com a venda internacional de cocaína.

A GLO inibe o crime, mas a preocupação com o combate a longo prazo persiste. Segundo a Marinha, nos primeiros quatro meses de operação, foram realizadas mais de 27 mil abordagens em veículos, 7,4 mil fiscalizações em embarcações e 17,5 mil inspeções em pessoas e bagagens.

Além disso, mais de 4,5 mil contêineres foram inspecionados em cooperação com outros órgãos, resultando na apreensão de mais de 30 embarcações por irregularidades administrativas. Outras 215 embarcações foram notificadas.

Para pesquisadores consultados pelo Estadão, embora a GLO traga resultados imediatos, há dúvidas sobre a sustentabilidade do combate ao crime a longo prazo. “Resta saber como será mantida essa continuidade, pois a GLO não pode ser estendida indefinidamente”, diz Ricardo Moura, do Laboratório de Estudos da Violência da Universidade Federal do Ceará (UFC).

Espera-se que o governo federal renove a operação após maio, seu prazo final. “Essa expertise precisa ser incorporada às polícias”, acrescenta o pesquisador.

Além disso, como a GLO não abrange portos como o de Paranaguá (PR), por exemplo, que costuma ser o segundo em apreensão de cocaína no país, há o risco de esses pontos se tornarem alvos dos criminosos. “Se houver uma atuação forte em uma área, é necessário também pensar nas margens do território”, afirma Moura.

Conforme reportagem do Estadão, o PCC está explorando alternativas para enviar drogas para o exterior. Uma das tentativas é utilizar o Porto de Salvador como uma possível nova rota, em parceria com a facção baiana Bonde do Maluco.

Segundo um relatório do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime de 2022, grupos criminosos no Brasil estão cada vez mais recorrendo a portos menores no Nordeste e no Sul. O documento, que não menciona quais terminais, indica que essa tendência já era observada antes da pandemia de covid-19, mas se intensificou durante a crise.

A operação GLO em Santos ocorre simultaneamente à terceira fase da Operação Verão, iniciada no mês passado pela Polícia Militar na Baixada Santista após a morte de um policial da Rota. Sujeita a denúncias, a incursão já resultou em pelo menos 47 mortes. O governo estadual nega irregularidades e afirma que está investigando os incidentes.

Embora tenham dinâmicas distintas, ambas as operações têm o mesmo objetivo: combater o crime organizado. Para Anaís Medeiros Passos, professora de Ciência Política na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), tanto as GLOs quanto as operações ostensivas às vezes repetem uma “fórmula fracassada” de combate ao tráfico.

Segundo ela, é necessário um envolvimento mais efetivo do governo federal para desmantelar as facções e coordenar as ações entre os estados. “Se não houver coordenação interestadual permanente envolvendo os três níveis de governo sobre esse assunto, estaremos apenas perdendo tempo”, argumenta.

A Polícia Civil informou, em nota, que realizou as operações “Navegação Segura” e “Pérola do Atlântico” na Baixada Santista em outubro e novembro do ano passado, com o apoio da Marinha do Brasil e da Capitania dos Portos.

Um homem de 38 anos, procurado por tráfico de drogas, foi preso. Um adolescente de 15 anos foi apreendido em flagrante por ato infracional equivalente à associação criminosa.

“Quatro jet skis produtos de furto foram recuperados e uma lancha com dados adulterados foi apreendida em Santos. Em Guarujá, quatro jet skis com sinais de irregularidade e outros quatro sem documentação foram recolhidos”, afirmou.

Ministério da Justiça e Polícia Federal, procurados pela reportagem, não se manifestaram.

Você pode se Interessar

Deixe um Comentário

Sobre nós

Somos uma empresa de mídia. Prometemos contar a você o que há de novo nas partes importantes da vida moderna

@2024 – Todos os Direitos Reservados.