No dia 25 de fevereiro, o jornalista português Sérgio Tavares, foi submetido a um interrogatório de quatro horas ao desembarcar no Aeroporto de Guarulhos. O motivo? Suas críticas aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e às urnas eletrônicas, expressas em suas redes sociais. O diretor de Polícia Administrativa da Polícia Federal (PF), delegado Rodrigo de Melo Teixeira, relatou à Comissão de Segurança Pública do Senado, na terça-feira (18), que esta foi a razão pela qual o jornalista foi tratado como suspeito pela PF – mesmo sem que se saiba ao certo de que crime estaria sendo acusado. Em um país onde não existe o delito de opinião, torna-se evidente que se trata de um caso de abuso de autoridade – uma ocorrência cada vez mais comum nestes tempos conturbados. Este episódio do jornalista é apenas a mais recente manifestação de um crescente autoritarismo que se dissemina em nome da proteção da democracia.
Esta é uma emblemática ilustração do autoritarismo difuso. Há relatos de que em 1968, às vésperas da implantação do AI-5, o vice-presidente Pedro Aleixo, teria alertado o presidente Costa e Silva: “Presidente, o problema de uma lei assim não é o senhor, nem aqueles que governam o país ao seu lado; o problema é o guarda da esquina”.
Em 2021, o Congresso aprovou a Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito, visando eliminar o risco desde a origem e garantir que todo presidente governe sob as mesmas leis, criadas pelos parlamentares eleitos e interpretadas com igualdade pelo Judiciário, caso a caso, de acordo com a vontade soberana da Nação, conforme estabelecido na Constituição. No entanto, não se defende a Constituição com métodos inconstitucionais, nem se fortalece o Estado de Direito violando o devido processo legal. E a melhor maneira de combater os inimigos da democracia é com mais, e não menos, democracia.
Em circunstâncias normais, esses princípios de que os fins não justificam os meios seriam considerados óbvios. Mas estes não são tempos normais. O governo sempre com a desculpa de que ainda se recupera do terremoto causado pelas invasões dos Três Poderes em janeiro do ano passado, quer porque quer, julgar um ex-presidente, por uma teoria absurda de tentativa de golpe de Estado.
No cerne dos reveses enfrentados pela Operação Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, está a autoatribuição da 13ª Vara Federal de Curitiba de uma espécie de jurisdição universal contra a corrupção. No entanto, agora é o próprio Supremo que parece se investir como o árbitro universal na defesa da democracia.
Nos últimos cinco anos, a Corte tem conduzido investigações secretas e abrangentes para apurar notícias falsas. Sob pretexto de circunstâncias excepcionais, interpretações extensivas e fundamentos heterodoxos têm motivado censuras, bloqueios de contas, quebras de sigilo bancário e telemático, multas exorbitantes, indiciamentos e prisões preventivas em massa.
Antes mesmo do episódio envolvendo o ministro Alexandre de Moraes e seus familiares em Roma, o então ministro da Justiça, Flávio Dino, hoje ministro do STF, sugeriu que o assédio poderia ser considerado um crime contra o Estado Democrático de Direito. O presidente Lula chegou a afirmar que o suspeito era um “animal selvagem” e prometeu “extirpar” essas pessoas “renascidas no neofascismo”. O STF assumiu a jurisdição de um caso que normalmente seria de primeira instância e emitiu mandados de busca e apreensão durante a investigação da Polícia Federal por uma suposta tentativa de “subverter violentamente o Estado Democrático de Direito”. Um absurdo óbvio – que ameaça se tornar comum. Antes do caso do jornalista português, manifestantes contra o aumento das passagens de ônibus em São Paulo foram detidos e autuados por “subversão violenta do Estado Democrático de Direito”. Com a mesma justificação, um juiz de Carauari deu voz de prisão a um delegado que o acusou de corrupção.
Com tanta ênfase na ideia de que o país está sob o domínio de extremistas, magistrados como Alexandre de Moraes elaboraram tipos penais adaptáveis sob medida para que o “guarda da esquina” persiga os “fascistas”. Embriagados pela síndrome do pequeno poder, esses “superamigos” da democracia estão se proliferando. Mas com amigos assim, quem precisa de inimigos?