Decisão pode mudar regra do Marco Civil da Internet e obrigar plataformas a remover conteúdos sem ordem judicial
O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma nesta quarta-feira (4) o julgamento que pode alterar profundamente o funcionamento das redes sociais no Brasil. Em análise está a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet — dispositivo que, atualmente, protege as plataformas contra responsabilização por conteúdos publicados por terceiros, exceto quando há ordem judicial para a remoção.
A ação em julgamento pode tornar as plataformas digitais legalmente obrigadas a remover conteúdos apenas após serem notificadas por usuários ou vítimas, mesmo sem decisão judicial. O debate reacende preocupações sobre a possibilidade de censura prévia e os limites da atuação do Judiciário em temas tradicionalmente atribuídos ao Legislativo.
O julgamento foi interrompido em dezembro de 2023, após pedido de vista do ministro André Mendonça, cujo voto será o primeiro da retomada. A expectativa é que Mendonça defenda a manutenção integral do artigo 19, ressaltando a importância da exigência de ordem judicial para remoções. Ainda assim, seu posicionamento pode ficar isolado, já que ao menos três ministros votaram por declarar, ainda que parcialmente, a inconstitucionalidade do artigo.
Votos já proferidos
- Dias Toffoli: Defendeu que, em casos de desinformação que afete eleições ou grupos vulneráveis, basta a notificação da parte ofendida para que plataformas se tornem responsáveis, sem ordem judicial.
- Luiz Fux: Propôs a criação do “dever de cuidado” para plataformas, exigindo remoção imediata de conteúdos considerados graves, como discurso de ódio ou apologia ao golpe. Para crimes contra a honra, bastaria uma notificação.
- Luís Roberto Barroso: Apresentou uma posição intermediária. Para ele, o artigo 19 é parcialmente inconstitucional. Em casos como terrorismo e incitação ao suicídio, valeria o dever de cuidado. Já para crimes contra a honra, o dispositivo atual seria mantido.
Debate sobre competências
Juristas e especialistas em liberdade de expressão têm questionado o alcance da atuação do STF. O advogado André Marsiglia afirmou que o Congresso já debateu e optou por não aprovar o PL 2630/2020, o chamado “PL das Fake News”, e que essa decisão deve ser respeitada: “Decisão legítima e desrespeitada pelo STF”, publicou nas redes sociais.
A crítica central é que, ao reverter o que foi estabelecido pelo Marco Civil da Internet, o Supremo estaria legislando, extrapolando suas atribuições constitucionais.
Impacto nas plataformas e no conteúdo online
Representantes de empresas de tecnologia alertam que mudanças no artigo 19 podem levar a um cenário de remoções preventivas. Segundo Fábio Coelho, presidente do Google Brasil, plataformas poderão adotar posturas mais conservadoras, eliminando conteúdos “potencialmente questionáveis” para evitar punições financeiras ou jurídicas.
A tendência, segundo analistas, é de que algoritmos passem a ser usados para rastrear e excluir conteúdos sensíveis, ampliando o risco de supressão de críticas legítimas e opiniões controversas — sobretudo em um momento pré-eleitoral.
Eleições de 2026 e o risco de censura
Com as eleições presidenciais de 2026 se aproximando, a preocupação com liberdade de expressão nas redes ganha peso extra. Em 2022, já houve denúncias de censura prévia, e a expectativa é que novas regras possam intensificar esse cenário.
Independentemente do resultado, o STF caminha para assumir um papel inédito: regular diretamente o funcionamento das redes sociais no Brasil. Isso difere de práticas em outras democracias, onde esse tipo de normatização costuma ser de responsabilidade do Legislativo ou do Executivo.
O julgamento deve prosseguir ao longo das próximas semanas e promete marcar um divisor de águas na forma como a internet será regulada e monitorada no país.