O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), anunciou a devolução parcial da medida provisória (MP) que limitava o uso de créditos tributários do PIS/Cofins pelas empresas. Segundo ele, os trechos devolvidos “cessam imediatamente” seus efeitos.
O anúncio, feito na tarde desta terça-feira (11), foi uma resposta às queixas do setor produtivo, que alegava que a MP onerava todas as atividades econômicas, incluindo os exportadores. A devolução representa uma derrota para o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que propôs a medida como compensação pela desoneração da folha de pagamentos dos 17 setores que mais empregam e dos municípios.
A expectativa era arrecadar até R$ 29,2 bilhões com a medida – mais do que os R$ 26,3 bilhões de impacto da desoneração da folha em 2024, segundo o Ministério da Fazenda.
Pacheco afirmou que a ausência de um período de carência para a entrada em vigor de uma medida com impacto no caixa das empresas fere a Constituição.
“O que se observa em parte dessa medida provisória, e na parte substancial dela, é que há uma inovação, com alteração de regras tributárias, que geram um enorme impacto ao setor produtivo nacional, sem que haja a observância da regra constitucional da noventena, na aplicação sobretudo dessas compensações do PIS e do Cofins”, disse.
Como a limitação no uso desses créditos tributários foi implementada por meio de uma MP, ela passou a valer imediatamente. O anúncio foi feito ao lado do líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), indicando que a decisão foi coordenada com o governo.
“O presidente da República externou que não estava confortável claramente, e Vossa Excelência teve a capacidade de encontrar um caminho legal e constitucional para interromper o que seria uma tragédia sem fim”, disse Jaques Wagner a Pacheco, logo após o anúncio. “Continua conosco para encontrarmos juntos, já que somos devotos da LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal), as compensações necessárias para a desoneração da folha”, afirmou Wagner.
Na segunda-feira (10), Pacheco se reuniu com Lula e Haddad, solicitando uma solução até terça-feira (11). No mesmo dia, o PP, partido do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a medida, alegando inconstitucionalidade.
Senadores da oposição e ligados ao agronegócio comemoraram a decisão.
A outra parte da MP, que trata do cadastro de beneficiários de incentivos tributários e da instância de julgamento do ITR, foi mantida.
Pouco antes do anúncio, representantes do setor privado se aglomeraram em frente ao gabinete de Pacheco. Diversos setores industriais, como siderurgia, têxtil, máquinas, petróleo e gás natural, calçados, e também do agronegócio, de carnes, frango e óleo de soja, enviaram emissários ao Senado para mostrar o descontentamento do PIB com a medida provisória.
As conversas giravam em torno das perdas calculadas para cada setor. O Instituto Brasileiro do Petróleo e Gás (IBP) informou que as empresas previam perder R$ 20 bilhões por ano. A Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) calculava perdas de cerca de R$ 3,5 bilhões por ano.
Após o anúncio de Pacheco, representantes empresariais manifestaram disposição para discutir com o governo formas alternativas de compensar a desoneração da folha de pagamentos.
“Vai ser preciso rediscutir quais são as medidas compensatórias para a desoneração da folha e nós queremos rediscutir isso em conjunto, com bom senso e equilíbrio, sem representar novos ônus para o setor produtivo”, afirmou o presidente da CNI, Ricardo Alban.
Ele disse que ainda não há uma definição sobre qual será o caminho da compensação. O governo entende que a decisão do ministro Cristiano Zanin, do STF, que mediou uma negociação que manteve a desoneração neste ano e uma reoneração progressiva até 2027, demanda uma fonte de compensação.
“Existem várias possibilidades, mas vamos sentar à mesa e entender que o caminho sempre é de duas mãos. O setor produtivo está disposto a colaborar, mas precisamos que o governo também colabore com as despesas; precisamos encontrar pontos de convergência”, disse Alban.
O presidente da Confederação Nacional da Agropecuária (CNA), João Martins, disse que “o bom senso prevaleceu”.
“Tínhamos mostrado durante todo o dia ao governo que essa MP não podia prevalecer, que ela ia trazer sérias consequências para o setor produtivo”, afirmou.
Ele acrescentou que a devolução foi a maneira mais adequada de resolver o impasse provocado pela medida. Líderes empresariais foram alertados por parlamentares e membros do governo que a retirada da MP pelo Executivo demandaria a edição de uma nova MP, o que poderia prolongar o problema.
“Nós esperamos que o governo, qualquer que seja a outra medida ou projeto, dialogue antes com o setor produtivo, porque é ele quem paga a conta e recolhe os impostos. O que queremos é o diálogo, assim como a indústria, para que seja menos impactante na economia”, afirmou Martins.
O presidente da FPA, Pedro Lupion (PP-PR), afirmou que a compensação por meio de limitações ao uso de créditos de PIS/Cofins está “sepultada”.
“Esse tema está sepultado, não se fala mais nisso”, disse Lupion.
O líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), afirmou que respeita a decisão de Pacheco e que o governo está “disposto a conversar”. “Para nós, a Constituição não é de ocasião. Continuaremos a conversar para encontrar uma resposta que precisa ser encontrada até 10 de agosto. Qual será a fonte de compensação para a desoneração dos 17 setores? Sei que juntos procuraremos encontrar uma fonte alternativa de compensação”, afirmou.
O que é a desoneração da folha de pagamentos
A desoneração da folha de pagamentos foi instituída em 2011 para setores intensivos em mão de obra. Esses setores incluem milhares de empresas que empregam 9 milhões de pessoas. A medida substitui a contribuição previdenciária patronal de 20% incidente sobre a folha de salários por alíquotas de 1% a 4,5% sobre a receita bruta, resultando na prática em redução da carga tributária sobre a contribuição previdenciária das empresas. No caso dos municípios, o benefício reduz a tributação de 20% para 8%.
Por decisão do Congresso, em votações expressivas, a política foi prorrogada até 2027 pelo Congresso Nacional, mas acabou suspensa por uma decisão liminar do STF em ação movida pelo governo federal. A alegação é que o Congresso não previu uma fonte de receitas para financiar o programa e não estimou o impacto do benefício nas contas públicas. O Legislativo, porém, argumenta que medidas foram aprovadas para aumentar as receitas da União e que a estimativa de impacto estava descrita na proposta aprovada.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou em entrevista ao Estadão um acordo para manter a desoneração em 2024 e negociar uma cobrança gradual a partir do próximo ano. Segundo o movimento Desonera Brasil, os 17 setores beneficiados empregam 9,3 milhões de pessoas e criaram 151 mil empregos nos dois primeiros meses do ano. O movimento também menciona que o salário médio nesses setores é 12,7% maior do que nos setores não desonerados, dados que comprovariam os benefícios da medida.