O cenário das redes sociais é o centro das atenções. Em 2004, o governo Lula propôs uma “regulação” da imprensa através de um Conselho Federal de Jornalismo. A grande mídia se opôs — com razão — considerando essa proposta como uma tentativa de calar jornais, revistas e emissoras. Protestaram e obtiveram êxito. Duas décadas depois, essa mesma grande mídia apoia veementemente a iniciativa do governo Lula, do STF e de boa parte do Legislativo de “regular” as redes sociais. Elas são tachadas de “terra de ninguém”, propagadoras de notícias falsas e responsabilizadas pelo ocorrido em 8 de janeiro.
A grande mídia faz vista grossa ao verbo “regular”, evitando admitir que é um eufemismo para outro verbo considerado irregular pela Constituição: censurar. Por competir comercialmente e reduzir sua influência, a grande mídia busca evitar que as redes sociais continuem sendo um espaço de liberdade política.
Há a invocação da regulação europeia para justificar a brasileira, mas é como comparar as calçadas de Paris e Frankfurt com as do Rio de Janeiro e São Paulo. A regulação europeia lida com conteúdos manifestamente ilegais, como promoção de terrorismo, pornografia infantil, racismo, xenofobia e assédio. As chamadas fake news não são o foco principal, pois nem sempre são ilegais, embora possam ser prejudiciais. Isso foi objeto de debate na Europa, ao contrário do Brasil.
O cerne da questão é: a regulação brasileira busca, principalmente, controlar o discurso político, opiniões partidárias, posições ideológicas e informações eleitorais incômodas. Foi o que aconteceu no ano passado, onde verdades claras foram censuradas por serem consideradas fake news. A regulação das redes sociais ampliaria esse tipo de censura para o cotidiano, sujeitando a realidade à jurisprudência momentânea, comprometendo a liberdade de expressão.
Jornalistas que ainda exercem o papel de fiscalizar o poder sabem que a censura já ocorre no Brasil. Como exemplo, ao publicar notícias documentadas sobre alguém envolvido em corrupção, o advogado da pessoa envolvida envia uma notificação extrajudicial para a rede social que veiculou a notícia, ameaçando processos, levando a rede a remover a notícia sem qualquer processo judicial. O jornalista é notificado para buscar orientação legal, mas a censura já foi aplicada pela principal disseminadora de informações — a imprensa é censurada.
Com a regulação, as redes sociais podem retirar conteúdos sem notificação extrajudicial, por medo de penalidades, mesmo que a notícia ou opinião não sejam ilegais. A regulação terceiriza a censura, conveniente para os supostos defensores da democracia.
O ponto ignorado pela grande imprensa é que a censura institucionalizada nas redes sociais é o prelúdio para a censura em jornais, revistas e emissoras, que também passarão a ser “regulados”. O desejo do PT e desses “defensores da democracia” será concretizado. A imprensa está investindo na própria irrelevância.