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quarta-feira, 27 novembro, 2024
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Programa do Ministério da Justiça admite monitorar ‘alvo’ sem justificativa

Por Alexandre Gomes

O programa Córtex, desenvolvido e gerido pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), tem gerado preocupações quanto à sua capacidade de realizar vigilância de cidadãos sem justificativa clara. Segundo matéria do Uol, fundamentada em outra da Agência Pública e informações obtidas via Lei de Acesso à Informação (LAI), o sistema, que já está em uso em diversas partes do Brasil, permite monitorar pessoas e veículos em tempo real, sem a necessidade de registrar ou justificar o motivo da consulta.

O Córtex é acessado por 55 mil usuários, incluindo membros de diversas instituições, como Forças Armadas, polícias (federais, civis e militares), Ministério Público, bombeiros e até servidores de órgãos fora do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP). Esses usuários, distribuídos em mais de 180 órgãos públicos, têm o poder de rastrear “alvos” sem precisar fornecer uma justificativa formal, conforme admitido pelo MJSP à Agência Pública.

De acordo com o MJSP, a ausência de necessidade de motivação para consultas é justificada pelo fato de que o sistema é voltado para atividades de segurança pública. Entretanto, caso haja suspeitas de uso indevido, a auditoria interna seria responsável por investigar. O Ministério, no entanto, não revelou quantas pessoas ou veículos já foram monitorados, mas informou que 360 mil “alvos” foram “identificados” entre 2019 e janeiro de 2022.

Riscos de abuso e falta de controle

A falta de controle efetivo sobre o uso diário do Córtex levanta preocupações sobre a possibilidade de vigilância indiscriminada, que pode incluir desde manifestantes até políticos, ativistas, familiares ou adversários de agentes com acesso ao sistema. Embora a regulamentação exija auditorias periódicas dos órgãos que utilizam o sistema, o MJSP admitiu que apenas 62 relatórios de auditoria foram produzidos em mais de quatro anos de uso, o que sugere um baixo nível de supervisão.

Um dos pontos críticos mencionados em documentos do Ministério é a suspeita de que usuários não autorizados, inclusive pessoas sem ligação com órgãos de segurança pública, estejam acessando o sistema, o que pode indicar a existência de “laranjas” operando o Córtex. Além disso, um caso de um usuário que realizou 1 milhão de consultas em um único dia levanta a suspeita de uso de robôs para extração massiva de dados.

“Cerco eletrônico” e monitoramento em massa

O Córtex possui uma funcionalidade chamada “cerco eletrônico”, que utiliza um sistema de leitura de placas de veículos monitorados em 35,9 mil câmeras espalhadas por ruas, rodovias e avenidas do Brasil. Além disso, o sistema armazena dados sensíveis, como informações salariais (via RAIS) e dados médicos de pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS). Informações sobre autoridades classificadas como Pessoas Expostas Politicamente (PEPs) também estão no banco de dados do sistema.

A falta de transparência no monitoramento de alvos e a inexistência de uma justificativa formal preocupam especialistas em privacidade e segurança. Em documentos internos do MJSP, surgiu até mesmo a discussão sobre a criação de um “alerta” para quando policiais utilizam o Córtex para rastrear veículos de seus cônjuges, um uso que poderia envolver abusos em casos de violência doméstica.

A preocupação central é que os 55 mil usuários do sistema poderiam, em tese, vigiar seus cônjuges ou outras pessoas de interesse sem qualquer justificativa ou supervisão adequada.

Esses fatores mostram que, embora o Córtex tenha sido criado para fins de segurança pública, a ausência de um controle eficaz e a possibilidade de seu uso indevido levantam questões sérias sobre privacidade, transparência e responsabilidade no uso de ferramentas de vigilância estatal.

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