Após ignorar os crescentes indícios de desgaste em sua gestão ao longo do primeiro ano de seu atual mandato e pressionado pela queda de popularidade revelada por quatro institutos de pesquisa (detalhes sobre as pesquisas abaixo), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) finalmente decidiu tomar medidas concretas para buscar diálogo com setores nos quais enfrenta maiores resistências.
Sem abrir mão do discurso polarizado que marcou sua campanha eleitoral, Lula continua destacando o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) como seu principal adversário, mas está buscando melhorar suas relações com militares, evangélicos, grandes produtores rurais e líderes do Centrão.
No caso das Forças Armadas, cujas tensões foram alimentadas pela proximidade de oficiais da ativa e da reserva com Bolsonaro, intensificadas pelo inquérito sobre os atos de vandalismo de 8 de janeiro, o presidente agiu para evitar possíveis conflitos em torno do dia 31 de março, aniversário de 60 anos do golpe militar de 1964.
Por meio de um acordo negociado pelo ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, Lula conseguiu que os quartéis deixassem de se pronunciar sobre a data da “Revolução de 1964”, com a condição de que seu governo abandonasse iniciativas para lembrar as “vítimas do golpe”, que estavam sendo programadas e lideradas pelo ministro Silvio Almeida (Direitos Humanos).
Ao mesmo tempo, o presidente retomou os esforços para se reaproximar das três Forças, como demonstrado pelo jantar na sexta-feira (22) com o comandante da Marinha, Marcos Sampaio Olsen. No final de fevereiro, Lula declarou que não vai “ficar remoendo o passado”. Sua atitude recebeu elogios do senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS).
Para o segmento social que representou a maior perda de aprovação nos primeiros meses do ano, resultado direto das declarações controversas sobre a reação militar de Israel contra o grupo terrorista Hamas, Lula chegou a um acordo com a bancada evangélica na Câmara sobre a proposta de emenda à Constituição (PEC) que amplia a imunidade tributária das igrejas.
Enquanto isso, o governo busca outras formas de interação com esse segmento, apesar das críticas de Lula e dos líderes petistas ao discurso religioso na política, claramente dirigidas a parlamentares de oposição e ao casal Jair e Michelle Bolsonaro.
O governo Lula também parece ter recuado de seu apoio incondicional ao ditador Nicolás Maduro. Em resposta às críticas e à realidade, o Ministério das Relações Exteriores emitiu uma nota na terça-feira (26), expressando a posição do Brasil em relação ao processo eleitoral na Venezuela com “expectativa e preocupação”. No ano passado, o presidente brasileiro recebeu seu homólogo venezuelano no Palácio do Planalto e foi criticado por reclamar das críticas à “democracia venezuelana”, que ele considerava meras “narrativas”.
Lula tenta abrir canais de comunicação com os ruralistas Quanto aos empresários do agronegócio, o presidente iniciou uma série de visitas a estados onde o setor é proeminente, além de conversas com representantes dos ramos de proteína animal, celulose, grãos e açúcar e álcool.
O objetivo é ouvir demandas específicas, como melhorias na infraestrutura e mais crédito rural, além de buscar sugestões para reduzir os preços dos alimentos na mesa dos cidadãos, um dos principais fatores da perda de popularidade do governo. Essa ação ocorre após uma série de ataques verbais do próprio Lula contra o setor econômico.
Lula teve que repensar sua articulação no Congresso Por último, em relação aos políticos do Centrão, Lula teve que enfrentar a realidade da influência dominante do bloco sobre a agenda do Congresso e, cada vez mais, sobre o Orçamento. As insatisfações surgidas no início do ano devido às imposições do governo nas votações das duas Casas legislativas, como vetos presidenciais e a medida provisória para reonerar 17 setores da economia, tornaram mais cara a negociação com os líderes.
O Planalto foi obrigado a revisar suas iniciativas e começou a realizar encontros informais no Palácio da Alvorada com deputados e senadores, conhecidos como “happy hours”, investindo em relações pessoais para negociar pautas e evitar surpresas desagradáveis.
O principal ponto de tensão entre o Executivo e o Legislativo ainda envolve a sucessão no comando da Câmara e do Senado, sobre a qual Lula afirma não interferir.
O fracasso da atuação da ministra Nísia Trindade (Saúde) em questões importantes para o governo, como as crises sanitárias da epidemia de dengue e a humanitária dos indígenas ianomâmis, levou o presidente a fazer uma crítica pública a ela. O Centrão almeja ocupar o cargo dela para ganhar mais influência em um ano eleitoral e ter acesso a mais verbas federais.
Especialistas veem riscos e limitações na reação de Lula De acordo com analistas e políticos consultados pela Gazeta do Povo, embora Lula tenha cedido em várias frentes, será necessário um esforço maior e uma reorientação das ações para reverter a tendência de queda em sua imagem. Eles observam que a principal limitação pode estar na resistência de Lula em permitir a entrada de novos atores no círculo próximo de assessores e ministros do palácio, oriundos de outros grupos políticos, inclusive da centro-direita. Seu círculo mais próximo tem sido predominantemente de viés esquerdista, o que tem contribuído para afastá-lo da sociedade.
Na área de segurança pública, outro fator importante de desgaste para o governo, os cargos continuam nas mãos de aliados com inclinação ideológica, o que dificulta a compreensão dos fatores que deixam a população insegura. Na educação, também enfrenta dificuldades para implementar mudanças devido à oposição combativa.
Além disso, os planos do ministro Fernando Haddad (Fazenda) têm enfrentado resistência, até mesmo do próprio Lula, que mencionou o desejo de contornar a promessa de atingir um déficit fiscal zero em 2024 e utilizar os ganhos de receita imediatamente no orçamento federal.
Nesta batalha em que o presidente cede, mas mantém sua retaguarda ideológica, todos os olhos estão voltados para as urnas de outubro de 2024, que podem orientar os planos de Lula para se reeleger em 2026 e, ao mesmo tempo, fortalecer a oposição.
Para conter a queda de popularidade e garantir seu papel como líder de transferência de votos nas eleições municipais, Lula iniciou visitas a estados governados por oposicionistas e passou a cobrar mais entregas dos ministros para lidar com os preços dos alimentos e da energia. Ao mesmo tempo, orientado por marqueteiros, tenta melhorar sua imagem pessoal, enquanto parece ser tentado a recorrer ao populismo econômico e ao intervencionismo estatal.
Para Leandro Gabiati, cientista político e diretor da Dominium Consultoria, é intrigante observar a persistência de Lula em alimentar a polarização política no país, apesar dos sinais de que essa estratégia pode ser equivocada. Ele sugere que o presidente poderia aproveitar seu papel como chefe de Estado para buscar a pacificação e focar nos resultados do governo, ao invés de se manter como antagonista de Bolsonaro.
Arthur Wittenberg, professor de relações institucionais e políticas públicas do Ibmec-DF, observa que Lula está enfrentando a realidade de um Congresso de centro-direita, o que pode limitar sua atuação. Embora reconheça a queda na popularidade como um obstáculo, Wittenberg acredita que ainda há espaço para uma reversão dessa tendência negativa, desde que o governo apresente resultados palpáveis e se adapte às demandas da sociedade.
Enquanto isso, João Henrique Hummel, consultor da Action Relações Governamentais, destaca que o Congresso está agindo de forma independente do governo, como evidenciado pelo avanço de projetos sem espera por iniciativas do Executivo. Essa mudança pode representar um desafio significativo para Lula, que precisa lidar com um Parlamento que não espera por suas propostas.
Ainda que o cenário apresente desafios, Lula continua enfrentando a pressão da realidade política e econômica, enquanto busca manter sua base de apoio e encontrar soluções para os problemas do país. O desfecho dessa dinâmica só será conhecido nas urnas e nas próximas movimentações políticas que moldarão o futuro do Brasil.