O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) destinou R$ 640,1 milhões à ONG Associação Um Milhão de Cisternas para o Semiárido (P1MC), ligada a militantes históricos do Partido dos Trabalhadores. O repasse, feito através do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), comandado pelo também petista Wellington Dias, já levanta questionamentos sobre possível favorecimento político e aparelhamento da máquina pública.
O valor corresponde a 85% dos R$ 755,8 milhões reservados para o programa federal de cisternas, voltado ao combate à seca no Nordeste e outras regiões semiáridas do Brasil. A ONG P1MC é dirigida por dois filiados ao PT desde 1987. O convênio, assinado em 2023, representa o maior repasse da história do programa em mais de duas décadas de existência.
Subcontratações milionárias com viés político
A reportagem do jornal O Globo revelou ainda que a P1MC subcontratou 37 outras entidades, quase todas comandadas por petistas ou ex-assessores de governos do PT, para executar parte do programa, em contratos que somam R$ 152 milhões.
Um dos exemplos é a Cootapi, cooperativa do Piauí — reduto político de Wellington Dias — que recebeu R$ 9 milhões para instalar apenas 775 cisternas. Seus dirigentes são ex-assessores do governo estadual, e um deles ainda ocupa cargo comissionado na atual gestão de Rafael Fonteles (PT), sucessor e aliado direto de Dias.
Outra subcontratada, por R$ 4,6 milhões, é a Comtacte, com sede modesta em Aracati (CE), controlada por um petista ex-assessor do prefeito de Itaiçaba (também do PT). Em Pernambuco, o Cecor, liderado por uma ex-assessora de um deputado estadual petista, foi contratado por R$ 6,4 milhões.
Até ex-candidatos a vereador pelo PT figuram na lista de beneficiados. O Instituto de Formação Cidadã, de Guanambi (BA), e o Centro de Agroecologia do Semiárido, de Manoel Vitorino (BA), receberam R$ 3,4 milhões cada, mesmo sem histórico expressivo de atuação nacional.
Defesa sob suspeita
Em nota, o Ministério do Desenvolvimento Social e a ONG P1MC alegam que a contratação seguiu um edital com critérios técnicos, priorizando entidades com experiência no setor. A P1MC afirma ter atendido mais de 1,2 milhão de famílias em 20 anos, o que justificaria a escolha.
“A presença de lideranças sociais com histórico político ou comunitário não fere a legalidade ou a legitimidade do trabalho técnico desenvolvido. O processo é legal, auditável e impessoal”, disse a entidade.
Críticas e suspeitas
O caso, no entanto, reforça acusações de que o governo Lula estaria promovendo aparelhamento de programas sociais, usando recursos públicos para fortalecer redes políticas regionais do PT, especialmente no Nordeste. A concentração dos recursos em ONGs de aliados políticos levanta suspeitas de direcionamento e favorecimento, em detrimento de processos mais transparentes e competitivos.
Críticos alertam que o programa, embora importante para o combate à seca, perde credibilidade quando se transforma em instrumento de barganha política. A falta de diversidade nas entidades contratadas e a presença de dirigentes com vínculos diretos com o partido governista comprometem a confiança pública e levantam dúvidas sobre a real motivação por trás da distribuição dos recursos.
Enquanto o governo alega legalidade, a sociedade civil e órgãos de controle já começam a pressionar por investigações mais profundas. Afinal, o que deveria ser uma política pública voltada para os mais vulneráveis pode estar sendo instrumentalizado para fins eleitorais.