A Lei Magnitsky, criada nos Estados Unidos, é uma ferramenta legislativa destinada a punir indivíduos e entidades envolvidos em graves violações de direitos humanos e atos de corrupção em escala global. Originalmente concebida para sancionar autoridades russas ligadas à morte do advogado Sergei Magnitsky em 2009, a norma evoluiu para uma versão mais ampla, conhecida como Lei Global Magnitsky, sancionada em 2016 e ampliada em 2017 por um decreto assinado pelo então presidente Donald Trump durante seu primeiro mandato (2017-2021). Segundo reportagem da Gazeta do Povo, a legislação reflete o compromisso americano de combater abusos de poder e corrupção além de suas fronteiras, utilizando sanções econômicas e restrições de viagem como armas principais.
Origem e propósito da lei
A Lei Magnitsky teve início com a aprovação do Magnitsky Act em 2012, focado exclusivamente na Rússia. Sergei Magnitsky, um advogado russo, foi preso e morreu em uma cadeia de Moscou após denunciar um esquema de corrupção envolvendo altos funcionários do governo. Sua morte gerou indignação internacional e levou os EUA a criar um mecanismo para punir os responsáveis, bloqueando seus bens e proibindo sua entrada no país. Em 2016, o Congresso americano expandiu o escopo da lei com a Global Magnitsky Human Rights Accountability Act, permitindo que as sanções fossem aplicadas a qualquer pessoa ou entidade em qualquer nação, desde que envolvida em violações graves de direitos humanos ou corrupção significativa.
O decreto de Trump em 2017 reforçou essa legislação, autorizando o Departamento do Tesouro e o Departamento de Estado a agir contra indivíduos cujas ações sejam consideradas uma ameaça à segurança nacional, à política externa ou à economia dos EUA. As sanções incluem o congelamento de ativos nos EUA, a proibição de transações com cidadãos americanos e a exclusão do sistema financeiro internacional dominado pelo dólar. Até março de 2025, mais de 400 indivíduos e entidades de países como China, Venezuela, Uganda e Arábia Saudita já foram alvos da lei.
Como funciona na prática?
A aplicação da Lei Global Magnitsky depende de investigações conduzidas por agências americanas, como o Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros (OFAC), que identificam alvos com base em evidências de abusos. Uma vez sancionados, os indivíduos perdem acesso a bens nos EUA e enfrentam severas restrições em suas movimentações financeiras globais. A lei também serve como um sinal político, expondo publicamente os acusados e pressionando outros países a tomarem medidas contra os mesmos alvos.
O caso brasileiro e Alexandre de Moraes
Recentemente, a Lei Global Magnitsky entrou no radar do Brasil devido a pressões de congressistas americanos contra o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. Parlamentares como David McCormick, senador republicano pela Pensilvânia, e Maria Elvira Salazar, deputada republicana pela Flórida, enviaram uma carta ao governo dos EUA pedindo a aplicação imediata de sanções contra Moraes. Eles alegam que as ações do ministro, especialmente no combate à desinformação e na condução de inquéritos como o das fake news e dos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023, configuram violações de direitos humanos, como censura e abuso de poder judicial.
Na visão desses congressistas, Moraes teria extrapolado suas atribuições ao ordenar bloqueios de contas em redes sociais, prisões de críticos do STF e restrições a plataformas digitais, medidas que, segundo eles, ameaçam a liberdade de expressão e o estado democrático de direito no Brasil. “Aos olhos do mundo livre, Moraes tornou-se um símbolo de censura e abuso de poder judicial. A resposta dos Estados Unidos precisa estar à altura da ameaça que ele representa”, afirmaram McCormick e Salazar na carta, conclamando outros membros do Congresso e do Senado a apoiar o pedido.
Contexto político e implicações
A movimentação nos EUA coincide com a reeleição de Donald Trump em novembro de 2024, que assumiu seu segundo mandato em janeiro de 2025 com uma agenda de fortalecimento de políticas conservadoras e de enfrentamento ao que chama de “judiciários ativistas” em aliados internacionais. No Brasil, a iniciativa americana encontra eco entre apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro, que veem em Moraes um adversário político desde sua atuação como relator de processos contra o bolsonarismo no STF.
Se sancionado, Moraes seria o primeiro brasileiro de alto escalão a entrar na lista da Lei Global Magnitsky, um fato que poderia gerar uma crise diplomática entre Brasil e EUA. Especialistas apontam que, embora a lei tenha sido usada contra figuras como Nicolás Maduro, da Venezuela, sua aplicação a um juiz de Suprema Corte de um país democrático seria inédita e politicamente sensível.
Críticas e desafios
A proposta de sancionar Moraes enfrenta resistência. Críticos nos EUA e no Brasil argumentam que as ações do ministro, embora controversas, ocorrem dentro do marco legal brasileiro e visam proteger a democracia contra ameaças reais, como os ataques golpistas de 2023. Além disso, a falta de evidências concretas de corrupção pessoal ou enriquecimento ilícito por parte de Moraes pode dificultar a justificativa legal para as sanções, que exigem provas robustas sob os critérios da lei americana.
Por outro lado, defensores da medida, como McCormick e Salazar, insistem que o precedente deve ser estabelecido para coibir o que veem como uma tendência global de autoritarismo judicial. A decisão final caberá ao governo Trump, que, até o momento, não se pronunciou oficialmente sobre o caso.
A Lei Global Magnitsky, portanto, não é apenas um instrumento punitivo, mas também uma arma geopolítica que reflete as tensões entre soberania nacional e influência internacional. No Brasil, o desfecho dessa controvérsia pode redefinir as relações com os EUA e o debate sobre os limites do poder judiciário.