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segunda-feira, 23 dezembro, 2024
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O Inquérito das Fake News e o Enfraquecimento da Democracia, por Ives Gandra

Por Alexandre Gomes

Neste artigo, expresso minha discordância em relação à interpretação de alguns ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o inquérito das fake news. Primeiramente, gostaria de fazer um esclarecimento: tenho grande respeito por todos os ministros da Corte, reconhecendo-os como juristas de alto nível. Ao longo de 60 anos de carreira acadêmica, tive a honra de escrever livros com a maioria deles, participar de bancas de doutorado e palestras com quase todos.

Além disso, acompanhei de perto os 20 meses de trabalho da Assembleia Constituinte, participei de audiências públicas e mantive contato com o relator, o senador Bernardo Cabral. Como professor, sinto-me à vontade para divergir, pois vivi intensamente aquele processo. Tive também o privilégio de estudar a Constituição com o professor Celso Bastos, ao lado de meu saudoso amigo, em 15 volumes e mais de 10 mil páginas, no período imediatamente após a promulgação da Carta Magna.

Agora, em relação à Constituição, gostaria de destacar alguns pontos que, com o tempo, passaram a se refletir em um viés parlamentarista. A primeira dessas observações está na organização dos Poderes, estabelecida no artigo 44 da Constituição. Como o ministro Luiz Fux recentemente afirmou, o Congresso é o poder mais relevante da República, pois é o único que representa o povo em sua totalidade. Os constituintes, que saíam de um regime de exceção, buscaram garantir a harmonia e a independência entre os Poderes, detalhando suas competências de forma minuciosa, começando pelo Poder Legislativo, seguido pelo Executivo, e, em terceiro lugar, o Judiciário.

A Constituição, no artigo 1º, afirma que a soberania pertence ao povo e que ele a exerce por meio de seus representantes. O Judiciário, por sua vez, apenas faz cumprir a lei, não a cria, pois apenas o Congresso e o Executivo, com a anuência do Legislativo, têm essa prerrogativa.

A Constituição também assegura no inciso XI do artigo 49 que é da competência exclusiva do Congresso Nacional preservar sua competência normativa frente à atribuição de outros Poderes. Ou seja, não pode permitir que outros Poderes invadam sua competência legislativa. Nesse contexto, vejo grande importância nas PECs 28/2023 e 50/2023, que buscam esclarecer e fortalecer as normas constitucionais.

Adicionalmente, o artigo 103, § 2º, da Constituição, estabelece que, em caso de inconstitucionalidade por omissão, o Executivo tem um prazo de 30 dias para agir, mas o Congresso não possui prazo fixado para a criação de leis em casos semelhantes. Em uma discussão com Bernardo Cabral e outros constituintes, propus a inclusão de um prazo para o Congresso, mas o argumento de que seria impossível prender parlamentares por não cumprirem tal prazo prevaleceu, e o texto final não incluiu essa imposição.

Passando ao tema central, o inquérito das fake news, que o ministro aposentado do STF Marco Aurélio Mello descreveu como “o inquérito do fim do mundo”, representa, na minha visão, uma violação da Constituição. O inquérito tem se tornado um verdadeiro buraco negro, onde qualquer questão pode ser enquadrada como fake news.

A Constituição garante no artigo 5º a liberdade de expressão, protegendo o direito de manifestação do pensamento e assegurando resposta proporcional em caso de agravo, incluindo indenizações por danos materiais ou morais. Isso significa que a manifestação de pensamento não pode ser restringida de forma preventiva, ou seja, o controle deve ser “a posteriori”, e não “a priori”. A Constituição não permite que o Supremo Tribunal Federal atue de forma legislativa ou inconstitucional, como tem ocorrido no caso das fake news.

O STF está atualmente deliberando sobre modificações na Lei da Internet, competência que deveria ser do Legislativo, e continua com o inquérito das fake news em andamento há mais de cinco anos, algo totalmente fora do padrão, visto que inquéritos normalmente têm duração de 60 a 90 dias. Isso gerou um ambiente onde qualquer ação pode ser considerada fake news, sem uma definição clara, o que está longe de ser uma prática democrática.

Por fim, a Constituição prevê que o abuso de liberdade de expressão deve ser punido “a posteriori”, e não antes que o cidadão tenha a oportunidade de se manifestar. A democracia exige um debate contínuo de ideias, e qualquer intervenção antecipada contraria esse princípio fundamental. Ao permitir o controle prévio do que pode ser dito, a democracia é enfraquecida, pois o Estado começa a guiar o pensamento da sociedade.

Em resumo, o inquérito das fake news, além de ser uma afronta ao equilíbrio e à harmonia entre os Poderes, vai contra o princípio da soberania popular e da liberdade de expressão, elementos essenciais para o funcionamento de uma democracia verdadeira. Apesar do meu profundo respeito pelos ministros do STF e pela importância de seus trabalhos, acredito que a continuidade desse inquérito compromete a liberdade fundamental prevista na Constituição e enfraquece nossa democracia.

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