Entidade investigada por descontos indevidos influenciou texto de 96 propostas legislativas
Ao menos nove parlamentares do Partido dos Trabalhadores (PT) apresentaram emendas à Medida Provisória 871/2019 — originalmente editada para combater fraudes no INSS — com textos elaborados pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), entidade que está sob investigação por seu envolvimento em esquemas de descontos indevidos em benefícios previdenciários. A revelação foi feita pelo portal Metrópoles e confirmada por outros veículos, incluindo a Revista Oeste.
De acordo com a apuração, uma análise dos metadados dos arquivos digitais revelou que 96 das 578 emendas apresentadas foram redigidas pela Contag ou por advogada vinculada à entidade, mesmo que tenham sido formalmente assinadas por deputados e senadores.
MP visava combater fraudes no sistema previdenciário
A Medida Provisória 871/2019, proposta no primeiro ano do governo Jair Bolsonaro, foi um marco no esforço de coibir irregularidades na concessão de aposentadorias, pensões e benefícios rurais. Um dos pontos centrais da proposta previa a revalidação anual das autorizações para descontos associativos — prática que se tornou alvo de denúncias de abusos por parte de entidades como a Contag.
Sob pressão de sindicatos e associações, inclusive da própria Contag, o Congresso acabou alterando a proposta original, estabelecendo revalidação a cada três anos — mudança que nunca chegou a ser aplicada, sendo revogada posteriormente em 2022.
PT lidera em número de emendas com conteúdo da Contag
Dos 15 parlamentares identificados com emendas oriundas da Contag, nove são do PT. São eles:
- Deputados federais:
- Zé Neto (BA)
- Patrus Ananias (MG)
- Valmir Assunção (BA)
- Marcon (RS)
- Rubens Pereira Júnior (MA)
- Senadores:
- Humberto Costa (PE)
- Jaques Wagner (BA)
- Jean Paul Prates (RN)
- Paulo Rocha (PA)
Além desses, outros nomes da esquerda figuram entre os signatários:
- Jandira Feghali (PSOL-RJ),
- Daniel Almeida (PCdoB-BA),
- Otto Alencar Filho (PSD-BA),
- Tereza Nelma (PSD-AL),
- Celso Maldaner (MDB-SC).
Um nome da oposição também apareceu: João Carlos Bacelar (PL-BA), que negou qualquer relação com a Contag e disse não saber a origem das emendas.
Parlamentares negam favorecimento a fraudes
Procurados, alguns parlamentares alegaram que as emendas foram recebidas em seus gabinetes como sugestões legislativas — uma prática comum. Jandira Feghali afirmou que mantém “relação institucional com todas as entidades representativas” e negou ter aceitado proposições redigidas por terceiros.
Zé Neto, responsável por 11 das emendas com conteúdo da Contag, disse que sua intenção era proteger sindicatos rurais e que não havia relação com fraudes. Jean Paul Prates, também com 11 propostas da entidade, declarou que os textos foram em resposta a demandas de base e “não visavam beneficiar grupos irregulares”.
Humberto Costa e Jaques Wagner, por sua vez, justificaram que suas ações refletiam posicionamento político da bancada do PT em defesa dos trabalhadores e das entidades sindicais.
As emendas, no entanto, apresentavam argumentações técnicas semelhantes, reforçando a tese de coordenação centralizada pela Contag. Os textos afirmavam, por exemplo, que a revalidação anual “torna o desconto da mensalidade social praticamente inviável” e que a medida geraria “inviabilidade operacional” às entidades sindicais.
Dos 15 parlamentares citados, apenas seis responderam aos questionamentos da imprensa. Os demais, incluindo nomes como Patrus Ananias, Paulo Rocha, Tereza Nelma e Valmir Assunção, não se manifestaram.
O caso lança luz sobre a influência direta de entidades suspeitas na formulação de propostas legislativas — especialmente grave quando envolve benefícios previdenciários e populações vulneráveis como aposentados e pensionistas.
Contag é alvo de investigação
A Contag foi apontada em operações da Polícia Federal e da CGU como uma das entidades envolvidas em esquemas de descontos indevidos em folha de benefícios do INSS. Estima-se que o prejuízo aos cofres públicos ultrapasse R$ 6 bilhões. As apurações estão em andamento e podem impactar diretamente a atuação de parlamentares que atuaram em sintonia com os interesses da confederação.