Movimento rompe diálogo com Paulo Teixeira e ameaça ampliar mobilizações; no centro da crise, o impasse em Campo do Meio expõe inoperância do governo petista na pauta agrária
A crise entre o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e o governo Lula (PT) atingiu novo patamar. Líderes do movimento acusam o Ministério do Desenvolvimento Agrário, comandado por Paulo Teixeira, de manipular os dados da reforma agrária, inflando artificialmente o número de famílias assentadas e de áreas desapropriadas. Segundo o MST, o governo estaria contabilizando na divulgação oficial terras que sequer têm decisões judiciais homologando a desapropriação, mascarando a real estagnação do programa.
Para o MST, o que o governo apresenta como “entregas” não passa de propaganda política sem efeito prático para as famílias acampadas, que continuam sem acesso a crédito, regularização fundiária ou programas de apoio à produção. “Não se moveu mais nenhum centímetro desde o anúncio feito pelo presidente”, criticou Silvio Netto, da coordenação nacional do MST, à Folha de S.Paulo. Segundo ele, a situação beira o abandono: “Se o presidente tivesse conhecimento dessa incompetência, o Paulo Teixeira já teria sido demitido.”
Campo do Meio simboliza o impasse
O principal exemplo da insatisfação do MST é o caso do Acampamento Quilombo Campo Grande, em Campo do Meio, Minas Gerais. Desde o final dos anos 1990, cerca de 2 mil famílias vivem na área. Em março deste ano, o próprio presidente Lula visitou o local e assinou decretos de desapropriação, em um gesto simbólico de apoio à reforma agrária. No entanto, o governo falhou em dar prosseguimento ao processo judicial de homologação, o que impede qualquer benefício concreto para os assentados.
Apesar de não haver homologação judicial, o Ministério do Desenvolvimento Agrário incluiu os lotes de Campo do Meio na lista de terras “entregues”, o que aumentou ainda mais a revolta do MST.
MST rompe diálogo e cobra demissão de ministro
Diante da falta de avanço, o MST decidiu romper o diálogo com Paulo Teixeira e cobra sua substituição. O movimento também avalia aumentar as mobilizações em todo o país, pressionando o Planalto por providências concretas. O desgaste já chegou até o próprio presidente, que em recente evento público fez um apelo direto ao ministro:
“Em vez de ter alguém para dizer ‘não’, ter alguém para dizer ‘vou encontrar solução’. Se for difícil, eu faço. Se não puder fazer, eu peço desculpas”, afirmou Lula, evidenciando o mal-estar interno.
Governo nega maquiagem e culpa Bolsonaro
Em resposta, o Ministério do Desenvolvimento Agrário negou qualquer tipo de maquiagem nos dados e afirmou que as propriedades incluídas nas estatísticas já passaram por análise técnica, com recursos reservados para os processos de desapropriação. O governo ainda tenta transferir a responsabilidade para a gestão anterior, comandada por Jair Bolsonaro (PL), a quem acusa de ter desestruturado a política de reforma agrária.
O ministério ainda sustenta que a Procuradoria do Incra está finalizando as ações judiciais necessárias e que, dentro do prazo legal, há até dois anos para concluir a formalização das desapropriações desde a assinatura dos decretos.
Metas infladas e realidade distante
Segundo o governo, a meta é assentar 30 mil famílias em 2025 e alcançar 60 mil até o fim de 2026. Metade desse objetivo já estaria cumprido, de acordo com o ministro Paulo Teixeira. Porém, o MST contesta fortemente essa projeção, afirmando que, na prática, milhares de famílias continuam à margem do sistema, sem regularização e sem benefícios efetivos.
No centro do conflito, o governo petista enfrenta agora pressão vinda de seu próprio aliado histórico, com o MST acusando o Planalto de adotar “política de vitrine” e empurrar a reforma agrária para o marketing, enquanto os acampados seguem sem solução.