Concentração de Inquéritos no STF Levanta Questionamentos sobre Estado de Direito
A elevada concentração de inquéritos criminais sob responsabilidade do ministro Alexandre de Moraes no Supremo Tribunal Federal (STF) é apontada pelo jornal O Estado de S. Paulo como uma situação incomum e incompatível com os princípios de um Estado Democrático de Direito.
Conforme o editorial publicado nesta quarta-feira, 8, o ministro tem assumido, nos últimos anos, um papel que ultrapassa as atribuições tradicionais de sua função, atuando como uma espécie de “delegado” dentro da Corte, com o apoio tácito de seus colegas. Essa percepção é reforçada por números obtidos em levantamento realizado pelo Estadão com base no portal Corte Aberta.
De acordo com os dados, ao final de 2023, 21 dos 37 inquéritos criminais em andamento no STF estavam concentrados no gabinete de Moraes. Em comparação, o ministro Luiz Fux, segundo na lista, conduz apenas três investigações criminais.
“A concentração de tantos inquéritos sob um único magistrado, em uma instituição que deveria se dedicar principalmente à guarda da Constituição, não é algo que se possa considerar normal”, afirma o jornal. Além disso, investigações que tramitam como “petições” ou sob sigilo, como o inquérito das fake news, não estão incluídas nesses números, o que sugere que a quantidade de processos conduzidos por Moraes é ainda maior.
O Papel do STF e os Critérios de Relatoria
O STF possui a prerrogativa constitucional de processar e julgar casos criminais envolvendo autoridades com foro privilegiado. No entanto, o editorial critica a falta de consistência na interpretação desse dispositivo, afirmando que, por vezes, decisões da Corte parecem guiadas por conveniências políticas e critérios pouco transparentes.
Outro ponto levantado pelo Estadão é a relatoria de Moraes sobre tantos inquéritos. O jornal questiona se há algum motivo técnico que o torne mais qualificado que seus colegas para conduzir essas investigações. “Nada indica isso, além de uma disposição maior para atuar como chefe de polícia do que como ministro de uma Suprema Corte, ou, no pior cenário, a falta de oposição de seus pares para conter esse acúmulo de poder”, diz o editorial.
A Elasticidade do Conceito de Prevenção
Uma das justificativas para essa concentração seria o uso do critério da prevenção, pelo qual o magistrado que decide primeiro sobre um processo se torna responsável por outros casos relacionados ao tema. Contudo, o jornal argumenta que é improvável que todos os 21 inquéritos estejam diretamente interligados, como exige a aplicação desse princípio.
Além disso, muitos desses inquéritos não possuem objetos claramente definidos ou prazos estabelecidos, o que, segundo o Estadão, agrava o que chama de “aberração institucional”. Para o jornal, a permanência desse cenário pode ampliar o distanciamento entre o STF e a sociedade brasileira, colocando em risco sua legitimidade como guardião da Constituição.
Reflexão sobre o Estado de Direito
O editorial conclui que a concentração de inquéritos e a atuação atípica de Moraes refletem um problema estrutural que compromete o equilíbrio institucional. A prática de centralizar investigações sem justificativa clara é vista como um desvio preocupante que fere os princípios de um sistema de Justiça imparcial e transparente, fundamentais em um Estado Democrático de Direito.