Flávio Soldani foi mantido preso apesar de decisão do STF
Após quase dois meses detido mesmo com um alvará de soltura emitido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o morador de rua Flávio Soldani, de 59 anos, finalmente deixou o Centro de Detenção Provisória II de Guarulhos (SP) nesta quinta-feira, 29 de maio.
O caso, revelado pela revista Oeste, escancarou uma falha grave no sistema prisional brasileiro: Soldani continuou encarcerado por não possuir endereço fixo — argumento utilizado pela unidade prisional para descumprir uma ordem expressa do ministro Alexandre de Moraes, que assinou o alvará de soltura em 11 de abril.
A situação foi contornada graças à atuação da advogada Taniéli Telles, que conseguiu um apoiador para custear três meses de aluguel para o ex-detento em São Paulo, permitindo que ele atendesse às exigências do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) firmado com a Procuradoria-Geral da República (PGR).
Criminalização da pobreza
Sem qualquer envolvimento político comprovado, Soldani havia sido preso em janeiro de 2023, após frequentar os acampamentos nas proximidades do Quartel-General do Exército, em Brasília — local onde buscava refeições e abrigo, vindo de Natal (RN) em busca de melhores condições de vida. Detido no dia seguinte à manifestação na Praça dos Três Poderes, passou 11 dias na Papuda antes de ser libertado.
Contudo, em março deste ano, foi preso novamente após participar de um ato pela anistia na Avenida Paulista, quando um policial o deteve com base em um mandado de prisão do STF, alegando violação de medidas cautelares. Sem endereço fixo, tornozeleira funcional ou apoio estatal, Soldani acabou sendo jogado novamente no sistema carcerário.
Durante audiência com um juiz auxiliar de Moraes, o morador de rua desabafou:
“Não tenho dinheiro para comer. Como vou pagar multa? Para varrer uma rua, preciso, antes, ter dormido um pouco e me alimentado também.”
A Defensoria Pública da União alertou na ocasião que o homem estava debilitado fisicamente, com 14 quilos a menos que seu peso habitual, e sem qualquer estrutura para cumprir as exigências legais impostas pelo acordo com a PGR.
Silêncio do STF
O episódio lança luz sobre a incapacidade do sistema de Justiça em lidar com os mais vulneráveis, além da burocracia punitiva que mantém pessoas presas mesmo diante de decisões judiciais favoráveis. A permanência de Soldani no cárcere por dois meses após a expedição de seu alvará de soltura é um retrato alarmante da desigualdade no acesso à Justiça.
Até o momento, o STF não comentou o caso.
A soltura de Flávio Soldani só foi possível graças à mobilização de advogados e civis, não por iniciativa do Judiciário. Agora, com um teto garantido temporariamente, ele poderá cumprir os termos do ANPP: prestação de serviços comunitários, pagamento de multa, e participação em um “curso da democracia”.
A história de Soldani, no entanto, expõe muito mais do que a ineficiência burocrática — ela revela a dura realidade daqueles que, sem endereço fixo, dinheiro ou rede de apoio, são facilmente descartados pelo sistema judicial.