O mandado de prisão contra o opositor Edmundo González Urrutía, que desafiou Nicolás Maduro nas eleições da Venezuela, coloca o Brasil em uma posição delicada. Especialistas em política externa ouvidos pelo Estadão sugerem que o governo brasileiro precisa adotar uma postura mais assertiva diante da crescente repressão do regime chavista.
Até o momento, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva não se manifestou publicamente sobre a ordem de prisão, que tem sido amplamente condenada por outros países da América Latina. Nos bastidores, o presidente reconhece o autoritarismo de Maduro, embora não o classifique explicitamente como ditador, conforme relatado pelo Estadão. O assessor especial Celso Amorim reconheceu à Reuters a escalada do autoritarismo na Venezuela, mas destacou que o Brasil ainda tem esperança de uma solução para a crise política.
A ditadura de Nicolás Maduro tem intensificado a repressão, ignorando os apelos por transparência nas eleições e prendendo 2.400 manifestantes, incluindo menores de idade, além de investigar líderes da oposição. Rubens Barbosa, presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e ex-embaixador do Brasil, afirma que o governo brasileiro criou uma série de armadilhas que tornam sua posição ainda mais delicada. Segundo Barbosa, o Brasil deve expressar preocupação com a democracia e os direitos humanos na Venezuela.
Lula sugeriu que a crise deveria ser resolvida pelas instituições venezuelanas, e Maduro recorreu ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ) para certificar o resultado das eleições. No entanto, o STJ, cooptado pelo regime, nunca se opôs ao chavismo.
A posição oficial do Brasil, em colaboração com a Colômbia, é exigir transparência na votação e não reconhecer resultados sem apuração adequada. Amorim reiterou essa posição à Reuters, destacando que a situação eleitoral na Venezuela ainda não está resolvida e que não há uma vitória clara para nenhum lado.
A cada dia, torna-se mais evidente que o chavismo não pretende divulgar os dados das urnas. O mandado de prisão contra Edmundo González, emitido pela Justiça e pelo Ministério Público chavistas, é uma reação à divulgação de cópias de 80% das atas de votação, que mostram uma vitória incontestável da oposição com cerca de 70% dos votos.
Guilherme Casarões, cientista político da FGV, afirma que o Brasil precisa adotar uma postura mais enfática diante da repressão do regime. Segundo ele, o país deve condenar a postura do regime de enfraquecer e perseguir a oposição, mesmo que isso possa levar a uma confrontação diplomática.
Lula e Maduro, aliados de longa data, têm trocado críticas publicamente, com Maduro desafiando a intervenção estrangeira em seus assuntos eleitorais. Apesar disso, os canais diplomáticos entre Brasil e Venezuela permanecem abertos, ao contrário de outros países da região que tiveram suas representações diplomáticas em Caracas encerradas.
Para Casarões, a busca por uma solução negociada é consistente com a tradição da diplomacia brasileira, mas a falta de abertura do regime para uma transição pacífica de poder tem deixado o Brasil com pouca margem de manobra. Ele alerta que a crescente pressão internacional sobre o Brasil para lidar com as violações do regime pode levar a uma ruptura diplomática, o que exige uma abordagem cuidadosa.
Na sua volta ao Palácio do Planalto, Lula investiu capital político na reabilitação de Nicolás Maduro, criticando as sanções americanas e defendendo a Venezuela em meio a controvérsias. No entanto, a ditadura chavista não cumpriu suas promessas e a crise se tornou um problema para o governo e suas ambições.
Maurício Santoro, cientista político, aponta que a cobrança inicial pelas atas fazia sentido para sinalizar a não aceitação dos resultados alegados de Maduro, mas a posição tornou-se obsoleta com a ratificação da eleição pelo STJ e a escalada da repressão. Santoro observa que a dificuldade em adotar uma postura mais crítica está relacionada às relações históricas do PT com o chavismo, o que enfraquece a política externa de Lula, que foi eleito com a bandeira da defesa da democracia.