O governo venezuelano está se preparando para realizar mais uma eleição fraudulenta, e o governo Lula está participando ativamente dessa farsa. Até aí, nada de novo. No entanto, desta vez, há também a ameaça de invasão a outro país vizinho do Brasil, a Guiana. O ditador russo Vladimir Putin, aliado tanto de Nicolás Maduro quanto de Lula, tem interesse nesse conflito. Lula trocou seu apoio incondicional ao regime ditatorial venezuelano pelo adiamento desse conflito. É um acordo instável.
Os partidos de oposição na Venezuela se uniram no ano passado para eleger um candidato único contra Maduro. A chamada Plataforma Unitária Democrática solicitou que o Conselho Nacional Eleitoral supervisionasse a votação. Para desacreditar o processo, os membros do conselho alinhados com o regime, que eram maioria, renunciaram. Um novo Conselho, composto exclusivamente por chavistas, foi nomeado, e o órgão se recusou a cumprir sua função constitucional de supervisionar a votação.
Apesar das ameaças de retaliação do regime, 2,4 milhões de venezuelanos corajosos participaram, e 92% votaram na ex-deputada María Corina Machado, uma líder incontestável da oposição. Em 2015, Machado foi considerada inelegível pela Justiça venezuelana, controlada pelo regime, por supostas irregularidades em suas contas como deputada. Isso ocorreu em um país onde centenas de milhões de dólares são desviados por membros do regime.
O Tribunal Supremo de Justiça, totalmente composto por chavistas, confirmou em janeiro a inelegibilidade de Machado até 2036. Machado é a terceira líder opositora competitiva a ser excluída de eleições contra Maduro, seguindo Henrique Capriles e Leopoldo López, ambos presos por crimes sem evidências. De acordo com organizações independentes de direitos humanos, 1.400 venezuelanos perderam seus direitos políticos desde 2002, e atualmente há 288 presos políticos.
Essa manobra viola o Acordo de Barbados, assinado cinco dias antes das primárias da oposição. O governo venezuelano se comprometeu a realizar eleições livres e justas, sem a exclusão de opositores. O acordo levou os EUA a suspenderem as sanções contra a Venezuela, que conseguiu vender cerca de US$ 1 bilhão em petróleo antes de a Casa Branca perceber que foi enganada.
O acordo também previa a libertação do colombiano Alex Saab, preso na Flórida sob a acusação de desviar US$ 350 milhões dos cofres venezuelanos. Segundo o FBI, parte desse dinheiro é destinada a Maduro, para quem Saab é considerado um testa-de-ferro. O esquema envolve lavagem de dinheiro do narcotráfico.
A exclusão da oposição tem levado a população a boicotar massivamente as eleições promovidas pelo regime há uma década. Para lidar com esses boicotes, que retiram a aparência de legitimidade dos pleitos, o regime toma uma série de medidas. Ao chegar às seções eleitorais, os venezuelanos passam o “cartão da pátria” em máquinas instaladas estrategicamente ao lado dos equipamentos de identificação dos eleitores. O registro do comparecimento garante a entrega mensal da cesta básica pelo governo, da qual muitos venezuelanos dependem para sobreviver: 90% estão abaixo da linha de pobreza e 68% na extrema pobreza.
Funcionários públicos são obrigados a votar. Militantes chavistas remunerados pelo governo nos bairros pobres, exercem pressão para que os moradores compareçam. No entanto, nada disso é suficiente. Eu mesma cobri as eleições para a Assembleia Constituinte de 2017, que foram boicotadas pela oposição. As seções eleitorais permaneceram praticamente vazias o dia todo, enquanto dezenas de milhares de venezuelanos corajosos protestavam contra o regime, sob forte repressão. Mesmo assim, o CNE anunciou um comparecimento de 41%.
Enquanto Lula se reunia com Maduro em San Vicente e Granadinas, durante a cúpula da Celac, o Tribunal Penal Internacional rejeitava em Haia uma apelação do regime chavista e avançava na investigação da morte de 125 manifestantes durante as eleições da Assembleia Constituinte. Eu mesma testemunhei algumas dessas mortes causadas por tiros disparados contra a multidão.
Lula tem uma longa história de interferência nos assuntos venezuelanos, ao lado do autoritarismo e da corrupção do regime chavista. Em novembro de 2006, Lula aproveitou a inauguração de uma ponte sobre o Rio Orinoco, construída pela Odebrecht com dinheiro do BNDES, para pedir votos para Hugo Chávez, três semanas antes de sua reeleição.
Em abril de 2013, logo após a morte de Chávez, Lula gravou um vídeo pedindo votos para Maduro: “Sempre foi visível sua profunda afinidade com nosso querido e saudoso amigo Hugo Chávez. Os dois compartilhavam as mesmas ideias sobre o destino do nosso continente e os grandes problemas mundiais. Mais do que isso, Chávez e Maduro tinham as mesmas concepções em relação aos desafios que a Venezuela tinha pela frente: em defesa dos mais pobres”.
Portanto, a oposição e a maioria da população venezuelana não confiam em Lula, e ele não tem credibilidade para intermediar uma solução para a crise no país. Isso fica evidente mais uma vez agora. Depois que Maduro marcou a eleição para 28 de julho, aniversário de Chávez, o presidente brasileiro afirmou que “não se pode colocar dúvidas antes de as eleições acontecerem”, em nome da “presunção de inocência”.
Assessores do presidente têm dito que não gostam de Machado, porque ela fala em punir os crimes do regime, e aprovam os nomes do governador de Zulia, Manuel Rosales, e de Gerardo Blyde, coordenador da Plataforma Unitária Democrática. Lula disse em fevereiro que não tem informações sobre o que acontece na Venezuela, quando questionado sobre a expulsão de funcionários do escritório de Direitos Humanos da ONU no país.
Na antevéspera do Dia Internacional da Mulher, Lula sugeriu que a líder da oposição não deveria ficar “chorando” e sim escolher um substituto, como ele fez quando estava condenado e preso por corrupção, em 2018. O presidente parece não saber também o que está acontecendo no Brasil, um Estado democrático de direito que não pode ser comparado à ditadura venezuelana. Além disso, o ataque é grosseiro, misógino e injusto: Machado demonstra uma coragem indiscutível ao percorrer o país em campanha, enfrentando um regime sanguinário.
Após duas décadas de abusos contra os direitos humanos na Venezuela e de arbitrariedades para manter o regime chavista no poder, a única inocência dos envolvidos é a de Lula. Se é que ele acredita no que diz. O mais provável é que Lula tenha comprometido seu apoio a Maduro em troca de um recuo do ditador em relação à invasão da Guiana para tomar a região de Essequibo, rica em petróleo e outros minerais.
Essa aventura não faria muito sentido econômico, já que a Venezuela possui as maiores reservas de petróleo do mundo. O que falta é competência para explorá-las. Devido ao sucateamento da estatal PDVSA, que antes era respeitada, a produção despencou de 3 milhões de barris diários em 2002 para 800 mil.
A ameaça tem mais um sentido político: é um velho expediente, usado também por Putin, de criar um inimigo comum para justificar a perpetuação no poder, como único “protetor da nação”. E geopolítico: serve aos interesses russos de criar uma distração para os Estados Unidos na América Latina. A guerra em Gaza, patrocinada pelo Irã, outro aliado da Rússia, divide as energias dos EUA e enfraquece seu apoio à Ucrânia. Em menor escala, o apoio americano à Guiana teria o mesmo efeito.
Dois dias antes de os russos invadirem a Ucrânia, em fevereiro de 2022, Maduro declarou: “A Venezuela está com Putin, está com a Rússia, está com as causas valentes e justas do mundo”. Cinco dias após a invasão, o ditador ligou para Putin. “Nicolás Maduro expressou seu forte apoio às ações-chave da Rússia, condenando a atividade desestabilizadora dos Estados Unidos e da Otan e enfatizando a importância de combater a campanha de mentiras e desinformação lançada pelos países ocidentais”, relatou o Kremlin.
Lula também culpou os EUA e a Europa pela invasão da Ucrânia pela Rússia.
Chávez já havia apoiado a invasão da Geórgia pela Rússia em 2008. Assim, a anexação do Essequibo pareceria algo legítimo dentro do repertório moral do chavismo. Na época, a Venezuela ainda conseguia produzir petróleo em grande quantidade e usava o dinheiro para comprar armas russas, como sofisticados caças Sukhoi-30, baterias antiaéreas S-300, tanques, navios, artilharia e fuzis Kalashnikov.
Essa tensão interessa às ditaduras venezuelana e russa, e não ao Brasil, que possui 2.199 km de fronteira com a Venezuela e 1.605 km com a Guiana, no delicado território amazônico. Além disso, pelo menos 262 mil imigrantes e refugiados da Venezuela vivem no Brasil, devido ao flagelo no país vizinho. Portanto, enquanto o regime chavista persistir, o Brasil não estará seguro.