O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) modificou dados da Previdência Social para reduzir a projeção de despesas com benefícios em aproximadamente R$ 12 bilhões, de acordo com documentos obtidos pela Folha.
Essa revisão, incorporada ao relatório de avaliação do Orçamento do 2º bimestre, permitiu ao Executivo cancelar o bloqueio de R$ 2,9 bilhões aplicado em março e cumprir um acordo para liberar mais R$ 3,6 bilhões em emendas parlamentares.
Sem essa revisão nos números da Previdência, especialistas do governo ouvidos anonimamente alertaram que haveria necessidade de um corte ainda maior nos gastos discricionários, como custeio e investimentos.
A alteração de última hora foi documentada em notas técnicas do INSS, disponibilizadas após solicitação baseada na LAI (Lei de Acesso à Informação).
Em 15 de maio, a coordenação de Orçamento e Finanças do INSS estimou que os gastos com benefícios alcançariam R$ 912,3 bilhões este ano. Essa previsão considerou o ritmo de desembolso até abril de 2024 e um crescimento vegetativo de 0,64% ao mês, influenciado pela redução das filas de espera.
Quatro dias depois, a Diretoria de Benefícios e a assessoria da Presidência do INSS emitiram outra nota técnica sugerindo adotar uma taxa de crescimento vegetativo de 0,17%, um quarto da anterior.
Essa recomendação resultou numa nova estimativa de despesa com benefícios, divulgada em 20 de maio, dois dias antes do relatório ser publicado. O valor foi ajustado para R$ 902,7 bilhões, com um adicional de R$ 9,05 bilhões em economias esperadas por medidas de produtividade e revisão de benefícios.
A mudança nos parâmetros também afetou a projeção de gastos com a compensação previdenciária, um ajuste de contas feito com estados e municípios quando um segurado do INSS se aposenta pelos regimes próprios desses entes.
Anteriormente estimada em R$ 10,2 bilhões, essa despesa foi reduzida para R$ 7,96 bilhões.
Em conjunto, essas alterações evitaram um aumento de R$ 11,84 bilhões nas projeções de despesas da Previdência Social.
O INSS, ao ser procurado, mencionou que a definição dos parâmetros considera um fluxo contínuo de informações entre áreas, levando em conta diferentes aspectos. Enquanto a área orçamentária foca no histórico de execução, a Diretoria de Benefícios incorpora os impactos das ações de gestão na análise dos dados de concessão e suas tendências.
Uma análise técnica datada de 19 de maio argumentou que os dados de concessão do primeiro quadrimestre foram impulsionados pelo programa de enfrentamento à fila.
“Estes meses apresentam desafios operacionais: janeiro, com redução significativa de produtividade devido às férias das equipes; fevereiro, com o menor número de dias úteis e feriados prolongados; março e abril, com recuperação da capacidade produtiva devido ao Programa de Enfrentamento à Fila da Previdência Social”, afirmou o documento.
Propor um crescimento vegetativo de 0,64% ao mês baseado nesse período seria inadequado, segundo a nota, devido à vigência do programa até agosto de 2024 (possivelmente até novembro de 2024), com uma tendência de estabilização no segundo semestre.
“Dessa forma, o crescimento vegetativo é influenciado pela quantidade de benefícios concedidos, que é sazonal, sendo plausível utilizar o mesmo valor usado na Projeção Orçamentária das Despesas do Regime Geral de Previdência Social (RGPS): 2,09% de crescimento anual”, disse o documento.
Essa taxa corresponderia a um crescimento vegetativo de 0,17% ao mês — um parâmetro incorporado às estimativas oficiais.
Essa mudança impactou tanto as projeções orçamentárias, que indicam o crédito a ser autorizado pelo Congresso para cobrir as despesas, quanto as financeiras, que representam o efetivamente pago pelo governo e influenciam as metas fiscais perseguidas pelo governo.
Embora haja uma diferença estrutural entre esses dois números, devido a uma pequena parcela dos benefícios de dezembro sendo pagos apenas em janeiro, o impacto da mudança de parâmetro é semelhante.
Inicialmente, o governo estimava uma despesa financeira de até R$ 909,6 bilhões, considerando a possibilidade de um crescimento vegetativo de 3,65% no acumulado do ano — quase o dobro da taxa contabilizada pelo INSS.
Mesmo com uma economia de R$ 9,05 bilhões através das revisões, os gastos com a Previdência teriam totalizado R$ 900,1 bilhões. No entanto, o valor efetivamente incorporado foi de R$ 889,5 bilhões.
No Comprev, a estimativa financeira inicial era de R$ 9,5 bilhões, mas apenas R$ 7,7 bilhões foram contabilizados no relatório.
Um técnico crítico em relação à mudança de parâmetros afirmou que os números da Previdência precisarão ser “ajustados” ao longo do ano.
Nos primeiros quatro meses, foram concedidos 2 milhões de novos benefícios, um aumento de 40,9% em relação ao mesmo período de 2023. Mesmo que uma desaceleração ocorra no segundo semestre, a expansão ainda deve ser significativa. Além disso, nem todos os benefícios concedidos são temporários, como o auxílio-doença.
Outro técnico do governo mencionou que adotar um parâmetro menor não significa uma manobra para subestimar despesas, argumentando que algumas projeções são excessivamente conservadoras.
Para esse grupo, incorporar uma “gordura” para evitar riscos nem sempre é justificável. Além disso, há otimismo com os resultados das revisões de benefícios em curso, o que pode permitir um ajuste gradual, se necessário.
A economista Vilma Pinto, da IFI (Instituição Fiscal Independente) do Senado, avaliou que há, de fato, alguma subestimação nos números da Previdência.
A IFI prevê um gasto total de R$ 929,5 bilhões este ano, considerando não apenas os benefícios e a compensação previdenciária, mas também as sentenças judiciais na área. Neste cenário mais amplo, a estimativa do governo é de R$ 917,8 bilhões. A diferença chega a quase R$ 12 bilhões.
Segundo Pinto, a projeção da IFI leva em conta a recente evolução dos benefícios emitidos (com crescimento em torno de 3,3%), o valor do salário mínimo e a inflação.
“Consideramos alguma economia possível que leve a uma desaceleração dessa taxa de crescimento, mas em nenhum cenário seria possível chegar a um crescimento vegetativo de 0,17%, pelas nossas contas. Diante disso, eu acho que pode haver, sim, alguma subestimação nos números da Previdência”, afirmou a economista.
Ela destacou que o governo já teve que reconhecer parte dessa pressão, uma vez que a projeção total de R$ 917,8 bilhões é maior do que os R$ 908,7 bilhões inicialmente previstos no Orçamento aprovado pelo Congresso.