Em uma democracia saudável, a transparência nas agendas oficiais das autoridades públicas é fundamental para garantir que a população tenha acesso às decisões que afetam sua vida cotidiana. No entanto, a gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem sido criticada por não divulgar a pauta de 89% das suas agendas oficiais, o que gera sérias preocupações sobre a influência de grupos de interesse nas decisões governamentais.
Embora o governo Lula tenha registrado 337 mil compromissos em um ano e meio, um número consideravelmente maior do que os 67 mil compromissos da gestão anterior, a falta de clareza nas informações prestadas é alarmante. Enquanto a administração de Jair Bolsonaro não divulgou a pauta de 70% dos compromissos, a atual gestão se saiu ainda pior, não reportando a pauta em 89% dos encontros. Essa falta de transparência se torna um convite à especulação sobre quem realmente está moldando as políticas públicas.
Os registros de compromissos são uma janela para a sociedade monitorar o lobby no Brasil, especialmente em um cenário onde a regulamentação dessa prática ainda não foi implementada. Sem essa regulamentação, as interações entre autoridades e grupos de interesse ficam no escuro, e as agendas públicas se tornam a única forma de o público entender as prioridades do governo. Por exemplo, dados da ferramenta Agenda Transparente mostram que o governo Lula recebeu representantes da indústria alimentícia em cinco vezes mais reuniões do que lobistas da sociedade civil quando se discutiu a reforma tributária, onde questões cruciais, como isenção de impostos para alimentos ultraprocessados, estavam em pauta.
Além disso, mais da metade dos ministros registraram menos de três compromissos por dia útil no primeiro ano e meio do governo, o que levanta questões sobre a real atividade desses ministros ou, mais provavelmente, sobre a falta de registro dos encontros. É preocupante que muitos desses compromissos sejam registrados de forma genérica, sem especificar os participantes ou as datas, como foi o caso de 91% dos compromissos publicados pela Advocacia-Geral da União (AGU).
Outro ponto crítico é o atraso na divulgação dos compromissos. Embora a regra determine que os encontros devem ser publicados em até sete dias corridos, 22% dos compromissos de autoridades federais são divulgados com atraso, e quase mil encontros foram registrados após mais de 100 dias. Essa ineficiência na publicação dos dados prejudica a capacidade da sociedade de acompanhar e participar efetivamente do debate sobre políticas públicas.
Apesar de o Brasil ter avançado na transparência com a publicação do Decreto nº 10.889 em 2021, que estabeleceu regras uniformes para a divulgação de compromissos e presentes recebidos por autoridades, a falta de cumprimento dessas regras ainda é uma realidade. Sem uma cobrança ativa e uma cultura de transparência, as autoridades não se sentem obrigadas a seguir as diretrizes estabelecidas.
A situação é ainda mais agravada pelo fato de que líderes de alto escalão, como presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados, assim como muitos ministros do Supremo Tribunal Federal, também não divulgam suas agendas. O próprio presidente Lula frequentemente não utiliza a plataforma centralizada criada pelo seu governo, resultando em omissões que só são descobertas quando questionadas pela imprensa.
Com a discussão sobre a regulamentação do lobby emperrada no Congresso Nacional e as contribuições da sociedade civil frequentemente ignoradas, a falta de transparência nas agendas oficiais do governo Lula se torna uma questão urgente a ser abordada. Para melhorar essa situação, o Brasil poderia se inspirar em legislações de países como Chile e na União Europeia, que possuem sistemas eficazes de monitoramento de lobby, como o InfoLobby e o Integrity Watch.
É fundamental que as autoridades brasileiras se comprometam com a transparência de suas agendas para assegurar que as decisões governamentais reflitam os interesses da sociedade como um todo, e não apenas de grupos de interesse específicos. Somente assim poderemos garantir que a democracia brasileira não seja cooptada por interesses privados escusos.