A esquerda latino-americana atravessa um momento de franca desintegração, marcada por líderes envelhecidos, ideias superadas e partidos divididos. O caso mais recente é o de Evo Morales, ex-presidente da Bolívia, impedido de concorrer ao pleito de agosto deste ano após o Tribunal Constitucional limitar a dois o número de mandatos presidenciais. Embora Evo prometa travar uma batalha judicial, está oficialmente fora da corrida eleitoral.
A trajetória de Morales exemplifica a derrocada da velha esquerda. Refugiado em Chapare, seu reduto eleitoral e também zona de produção de folha de coca, Evo se protege com cocaleiros armados para evitar ser preso sob acusação de tráfico de menores — acusação que nega. Rompido com seu ex-ministro e atual presidente, Luis Arce, Evo tentou fundar um novo partido, mas fracassou. Arce, por sua vez, anunciou que não tentará a reeleição, aprofundando a crise e a divisão no outrora dominante Movimento ao Socialismo (MAS).
Esse cenário é reflexo da situação mais ampla da esquerda na região. A “onda vermelha” dos anos 2000, que reuniu lideranças como Hugo Chávez na Venezuela, o casal Kirchner na Argentina, Rafael Correa no Equador, e Lula no Brasil, perdeu força frente ao desgaste político e econômico. O ímpeto que conquistou eleitores não resistiu ao crivo da realidade.
Chávez morreu e a Venezuela vive hoje sob o autoritarismo de Nicolás Maduro, consolidado em um regime que aniquilou a democracia e levou à maior crise migratória da região. A Argentina dos Kirchner mergulhou em um caos econômico que abriu caminho para a vitória do outsider libertário Javier Milei. No Equador, Correa está condenado por corrupção e vive exilado na Europa.
No Brasil, Lula retornou ao poder após a anulação das condenações da Lava Jato, mas seu governo não tem o brilho dos primeiros mandatos. Além da perda de popularidade, o Partido dos Trabalhadores não possui governadores em estados estratégicos e carece de renovação e sucessores à altura. Lula é a única estrela de um partido que aparenta exaustão.
Mesmo no Chile, governado por Gabriel Boric, um jovem visto inicialmente como símbolo da renovação da esquerda, o entusiasmo popular arrefeceu. A candidata de direita Evelyn Matthei lidera as pesquisas para a eleição presidencial de novembro. O Uruguai é uma das poucas exceções, onde a esquerda ainda demonstra alguma vitalidade.
A esquerda latino-americana, uma vez triunfante, hoje se vê sem líderes capazes de dialogar com as novas gerações e sem propostas que ofereçam respostas aos desafios contemporâneos. A busca desesperada pela manutenção do poder, como demonstram casos como o de Evo Morales, apenas aprofunda a percepção de que a esquerda regional é um projeto envelhecido e anacrônico. Como bem exemplificou José “Pepe” Mujica, ex-presidente uruguaio falecido aos 89 anos, a política não pode ser reduzida à luta pelo poder, mas deve estar conectada às necessidades reais da sociedade. Algo que boa parte da esquerda latino-americana parece ter esquecido.