O Brasil enfrenta uma catástrofe previsível com o surto de dengue. Desde o início do ano até 21 de março, o país já registrou mais de 2 milhões de casos prováveis, um aumento de 19% em comparação com todo o ano de 2023. Em apenas 81 dias, foram reportadas 682 mortes pela doença, enquanto outras 1.042 estão sob investigação.
Embora a dengue seja conhecida por sua recorrência sazonal, com agravamento durante o verão e picos epidêmicos a cada quatro ou cinco anos, o que estamos presenciando em 2024 é fora do comum. Pior ainda, há indícios de que o governo poderia ter se preparado melhor.
Nísia Trindade, Ministra da Saúde, afirmou no início deste mês que o alto número de casos se deve às mudanças climáticas, que elevam as temperaturas e as chuvas, intensificadas pelo fenômeno El Niño.
Trindade está correta. O problema é que essa conexão era evidente desde janeiro do ano passado, quando a Organização Mundial da Saúde emitiu um alerta global sobre a “ameaça pandêmica” da dengue, justamente devido às questões ambientais. Em julho, novamente, a entidade chamou a atenção para a possibilidade de um recorde de casos em 2023.
O aumento do calor e das chuvas em regiões de clima mais ameno, como o Sul e Sudeste, tende a multiplicar as infecções. As populações dessas áreas, que historicamente tiveram menos exposição a alguns dos sorotipos do vírus, estão mais vulneráveis.
Com quatro sorotipos diferentes, uma pessoa só desenvolve imunidade para aquele que já contraiu, tornando-se suscetível a sintomas mais graves ou até mesmo morte ao ser infectada por um novo sorotipo.
Portanto, a crise era previsível e era responsabilidade do poder público se preparar com uma campanha de conscientização robusta sobre os perigos iminentes e alocar recursos para a infraestrutura ambulatorial, levando em consideração as diferenças regionais.
A lentidão na aprovação da distribuição de vacinas pelo sistema de saúde foi especialmente arriscada. A vacina japonesa Qdenga, que combate os quatro sorotipos, foi aprovada para venda no país pela Anvisa em março de 2023, mas a oferta pelo SUS só foi autorizada em dezembro.
Até 21 de março, apenas 14,5% do público-alvo (crianças de 10 a 14 anos) e 0,2% da população brasileira haviam sido vacinados.
Além disso, há um descaso histórico de vários governos com fatores relacionados à doença, como o saneamento básico precário e o crescimento urbano desordenado.
Embora a atual epidemia tenha recebido impulso recente, é essencial correr atrás do prejuízo para minimizar os efeitos da crise. E é hora de o Brasil entender que o combate à dengue exige ações contínuas e de longo prazo.