Uma série de cortes no orçamento da Polícia Federal, apesar das novas responsabilidades atribuídas pelo governo Lula, pode resultar na paralisação total de suas atividades a partir de setembro, desde os serviços essenciais, como emissão de passaportes e registro de imigrantes, até investigações de alta complexidade, de acordo com um relatório entregue ao ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, e obtido pela Coluna do Estadão.
A segurança de autoridades pode ser suspensa já em maio, devido à falta de recursos para diárias e passagens. Nos bastidores, policiais de alto escalão se queixam de “desprestígio” e afirmam que a relação com o Palácio do Planalto está em seu pior momento.
Segundo a corporação, a necessidade de suplementação orçamentária para garantir a entrega de todas as atribuições da PF até dezembro é de R$ 527 milhões. No contexto do ajuste fiscal promovido pelo Ministério da Fazenda para alcançar a meta de déficit zero, essa cifra é considerada impensável.
O Ministério da Justiça afirmou estar em negociações com o Ministério do Planejamento para viabilizar a recomposição de parte do orçamento previsto, minimizando os impactos na execução das ações planejadas para 2024. O Palácio do Planalto não comentou sobre o assunto.
“Suspensão, paralisação e interrupção de serviços prestados pela PF a partir de setembro em todo o Brasil, atingindo o atendimento ao cidadão com passaporte, registro de imigrantes e tantos outros mais”, afirma o documento entregue ao ministro da Justiça.
Apesar de a restrição orçamentária à PF ameaçar suas atribuições diárias, a insatisfação com o governo federal não se limita à categoria. Servidores dos institutos federais no Rio, por exemplo, já aprovaram um indicativo de greve por reajuste salarial. Nesta semana, a ministra da Gestão, Esther Dweck, afirmou que a concessão de reajustes levará em conta o caráter político e fiscal.
A PF discriminou, no relatório entregue a Lewandowski, os cálculos para o pedido de suplementação orçamentária de R$ 527 milhões. Desse valor, R$ 203 milhões seriam necessários apenas para a recomposição do Orçamento cortado desde 2023.
O restante do “buraco” vem de missões imprevistas atribuídas pela PF pelo presidente Lula. Os custos foram estimados:
Operação Amas, que amplia a presença das forças de segurança na Amazônia: R$ 122 milhões Participação em Operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO): R$ 79 milhões Operação de segurança no G20, em novembro: R$ 58 milhões Controle dos CACs (caçadores, atiradores e colecionadores), antes função do Exército: R$ 65 milhões. O governo transferiu as funções sem transferir o orçamento reservado a elas no caixa das tropas.
Essas atividades extraordinárias estão ameaçadas pela restrição orçamentária, assim como a Operação Lesa Pátria, que apura a tentativa de um golpe de Estado; e a Operação Argos, que foca em crimes transfronteiriços.
O desprestígio do governo Lula não é apenas orçamentário, mas também “simbólico”, segundo policiais federais do primeiro escalão. E tem afetado o humor da equipe. Sobram reclamações de uma suposta preferência palaciana pelos militares, apesar de setores das Forças Armadas terem planejado um golpe de Estado em aliança com o bolsonarismo, segundo investigações.
A decepção da PF com Lula começou com a escolha dos militares para comandar a segurança presidencial, mas atingiu seu ápice na semana passada. Na última quinta-feira, 4, o presidente faltou à solenidade de 80 anos da PF.
A cerimônia foi atrasada em duas horas para esperá-lo, e haveria a entrega de uma placa em homenagem a Lula. Entre os presentes, não faltou quem lembrasse que Lula e a primeira-dama Janja, poucos dias antes, foram ao Rio inaugurar um submarino da Marinha.
Além disso, o silêncio de Lula após a prisão, feita pela PF, dos supostos mandantes do assassinato de Marielle Franco foi avaliado internamente como “frustrante”. Só depois de a Coluna do Estadão questionar o Planalto sobre a insatisfação dos policiais, o presidente foi às redes sociais parabenizar o desfecho do caso e a captura dos fugitivos de Mossoró.