Movimentações milionárias da CBPA levantam suspeitas de corrupção, fraude e favorecimento ilícito
Relatórios do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) apontam operações financeiras consideradas suspeitas envolvendo entidades de pesca em todo o país — em especial a Confederação Brasileira dos Pescadores e Aquicultores (CBPA). As transações chamaram atenção por indícios de lavagem de dinheiro, uso de empresas de fachada e possíveis desvios de recursos públicos.
Criada em 2020 pelo sindicalista Abraão Lincoln Ferreira, a CBPA movimentou cifras muito superiores às oficialmente declaradas. Entre maio de 2024 e maio de 2025, apenas uma conta bancária da entidade registrou R$ 410 milhões em gastos. Já os descontos aplicados em aposentadorias somaram R$ 99 milhões no período entre 2023 e 2025, segundo dados divulgados pelo UOL.
PF e CPMI investigam atuação da CBPA e empresas ligadas
A Polícia Federal realizou recentemente buscas e apreensões contra Abraão Lincoln, que nega irregularidades. Em mensagens enviadas ao Coaf, bancos relataram que a CBPA mantinha movimentação “muito acima da declarada”, com fortes sinais de irregularidades.
Trecho de um dos relatórios afirma:
“Suspeita-se de lavagem de dinheiro, com possível desvio de recursos públicos e favorecimento de crimes ambientais.”
As investigações revelam que parte expressiva dos valores repassados pela CBPA foi destinada a empresas usadas como contas de passagem. Entre elas:
- Home Staff (SP) – recebeu R$ 6,4 milhões, sendo 98% do faturamento proveniente da CBPA; repassou R$ 4,7 milhões à Arpar Administração Participações.
- Titanium Pay – recebeu R$ 2 milhões e transferiu R$ 1,3 milhão à mesma Arpar.
- Entre 2024 e 2025, a CBPA enviou R$ 20,4 milhões à Home Staff e R$ 15,9 milhões à Titanium Pay.
As instituições financeiras classificaram as operações como “atípicas e incompatíveis com o perfil operacional das empresas”, sugerindo tentativa de ocultação da origem e do destino dos recursos.
A Arpar Administração também aparece em investigações sobre os descontos ilegais em aposentadorias e em apurações relacionadas ao contrato da Vai de Bet com o Corinthians.
Além disso, a CBPA emitiu R$ 14 milhões em notas fiscais nos últimos três anos, incluindo R$ 4,6 milhões para um e-book fornecido pela empresa Pagglo Serviços Financeiros Digitais e R$ 3,3 milhões para uma gráfica.
Dirigentes regionais e políticos também são alvo de suspeitas
Os relatórios revelam que Abraão Lincoln praticamente não realizava gastos em seu próprio nome. A Receita Federal identificou despesas de apenas R$ 1,6 mil em 2024 e R$ 96,3 mil em 2025, apesar do volume bilionário movimentado pela entidade que dirige.
Outros dirigentes e entidades estaduais apresentam movimentações igualmente suspeitas:
- Edson Cunha de Araújo (PSB-MA), deputado estadual e presidente licenciado da Fecopema, recebeu R$ 5,4 milhões da própria federação entre 2023 e 2024.
- Em Pau dos Ferros (RN), com 30 mil habitantes, o dirigente Rodrigo Araújo Andrade recebeu R$ 200 mil da CBPA e sacou R$ 75 mil supostamente destinados a um evento de pesca, apesar de apenas 107 pescadores inscritos no defeso.
- No Amapá, a irmã da dirigente Izabela dos Santos recebeu R$ 178 mil de moradores da região — valores que eram usados para pagar despesas da entidade e da própria dirigente.
- Em Igarapé-Miri (PA), a colônia comandada por Ana Cristina Fernandes recebeu R$ 858,2 mil em um ano, sendo metade em depósitos em espécie. Os repasses foram considerados incompatíveis com a cidade, que tem 8,8 mil beneficiários do seguro-defeso.
Esquema segue sob investigação
Os indícios levantados pelo Coaf reforçam suspeitas já apuradas pela CPMI do INSS, que investiga fraudes em descontos indevidos aplicados a aposentados e pensionistas. A PF apura se as entidades de pesca foram utilizadas como instrumentos para desvio de recursos, lavagem de dinheiro e financiamento de atividades ilegais.