Na tragédia, os véus da civilização se desfazem. O comportamento humano muitas vezes se assemelha ao dos animais, como retratado por José Saramago em “Ensaio sobre a Cegueira”.
No Rio Grande do Sul inundado, meninas são vítimas de abuso em abrigos, casas abandonadas são saqueadas, e golpes buscam lucrar em cima da desgraça alheia.
Nas redes sociais, vemos uma politização rasa e até desumana da catástrofe — algumas vozes insinuam que os gaúchos, por votarem em um governador neoliberal, mereceriam o dilúvio.
Nessa confusão de informações, típica de momentos calamitosos, proliferam boatos, propagandas, interpretações fora de contexto, dados truncados e, claro, a revolta popular.
Enquanto isso, o governo federal não só decidiu estabelecer um gabinete para combater o que alega serem fake news, mas também acionou a Polícia Federal para investigar as falas do povo, que além de estarem atuando de maneira corajosa, está mostrando ao mundo as verdades, ocultas a propositadamente pela imprensa parceira do Governo Federal.
No documento, são elencadas postagens que minam a credibilidade do Estado. Contudo, atacar instituições não é um ataque à honra, mas sim uma expressão de descontentamento legítimo. Essa é uma interpretação equivocada da controversa Lei de Segurança Nacional, que tem sido usada como pretexto para censura pelo Judiciário.
Pior ainda: muitas das postagens refletem apenas a indignação da população diante da ineficiência do governo ou elogios às ações da sociedade civil, que têm se destacado no resgate de vítimas e no apoio aos desabrigados.
Controlar as críticas da sociedade aos governantes ou a instituições como as Forças Armadas, em tempos de calamidade é um comportamento típico de regimes autoritários — como foi visto na China durante a epidemia de Covid-19 e na URSS durante o desastre de Tchernóbil.
A eficácia dos regimes democráticos, reside justamente na liberdade de expressão para apontar os erros das autoridades e exigir melhorias. Em momentos de crise, é natural que haja uma mistura de informações e desinformação. Portanto, o Estado brasileiro deve refrear qualquer inclinação totalitária e, se quiser combater a disseminação de informações falsas, deve se engajar no debate público, em vez de usar sua autoridade policial para perseguir os cidadãos.