Analistas consultados pela Gazeta do Povo preveem consequências negativas na economia brasileira diante da investida do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e seu governo para interferir em empresas do setor privado.
“A postura indica um ambiente empresarial altamente desfavorável”, destaca Alessandra Ribeiro, diretora de macroeconomia da Tendências Consultoria.
A tentativa do governo petista de ampliar o controle estatal sobre a economia, pode dificultar a entrada de recursos no país, sejam eles para investimentos financeiros ou produtivos, e inibir o crescimento. “A inclinação estatista deste governo é marcante”, observa Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados.
Além de indicar aliados para conselhos de administração e tentar influenciar mudanças na direção das empresas, o governo almeja ter voz ativa nos planos das corporações privadas.
A Vale foi uma das empresas criticadas por Lula. Em uma entrevista à RedeTV! no final de fevereiro, ele lamentou que a Vale estaria vendendo mais ativos do que produzindo minério de ferro. No entanto, a mineradora, uma das maiores do mundo, vem aumentando sua produção, tendo registrado um crescimento de 4,2% no ano passado, com uma produção total de 321 milhões de toneladas.
Na ocasião, o presidente frisou que todas as empresas deveriam alinhar-se à visão do governo para o desenvolvimento do país. “É isso que buscamos”, ressaltou.
Ribeiro, da Tendências, aponta que situações como essa afastam investidores do país: “Os estrangeiros percebem um maior risco e preferem investir onde o ambiente é mais favorável”. A economista também salienta que menos investimento produtivo implica em crescimento reduzido e menos oportunidades de emprego e renda. “Isso também dificulta o aumento da arrecadação”, destaca.
Enquanto tenta influenciar o setor privado, o governo de Lula busca aumentar a arrecadação de impostos através de elevações de alíquotas, extinção de benefícios e novas regras tributárias.
Recentemente, o governo obteve do STF a revogação da desoneração da folha de pagamento das empresas, medida que havia sido estendida pelo Congresso. Esta decisão ressaltou novamente a insegurança jurídica que permeia os negócios no país.
Investimento Estrangeiro Despenca 17% em Apenas um Ano
As recentes tentativas do governo de interferir no setor privado são mais um capítulo em um momento delicado para a economia brasileira. No corrente mês, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou a alteração das metas fiscais para os anos de 2025 e 2026, em meio a um cenário externo turbulento, caracterizado por questões geopolíticas e pelos desafios dos Estados Unidos em conter a inflação.
Este cenário mais complexo está dificultando a atração de investimentos para o país. O Investimento Direto no País (IDP), que representa a entrada de recursos estrangeiros destinados ao setor produtivo, totalizou US$ 62 bilhões (2,8% do PIB) nos últimos 12 meses até fevereiro, conforme dados do Banco Central. Tal montante registrou uma queda de 17% em relação ao ano anterior. Em comparação com a dimensão da economia brasileira, o saldo do investimento estrangeiro direto no país diminuiu aproximadamente 1% do Produto Interno Bruto em um ano – em fevereiro de 2023, o valor acumulado em 12 meses correspondia a 3,76% do PIB.
Apesar de figurar atualmente como a nona maior economia global, o Brasil se posiciona como um dos países com menor liberdade econômica. O país ocupa apenas o 124º lugar em uma lista de 184 nações no Índice de Liberdade Econômica, elaborado pelo think tank norte-americano Heritage Foundation.
Múltiplas Táticas de Intervenção no Setor Privado
As modalidades de intervenção do governo nas empresas privadas são diversas e abrangentes. Desde a nomeação de ministros ou membros do PT sem experiência comprovada para os conselhos de administração de empresas como Tupy, CEG, BRQ e Quality Soft, até interferências na seleção da liderança em empresas como a Vale, privatizada em 1997.
O governo também busca reverter a privatização da Eletrobras, realizada em 2022 durante o governo Bolsonaro. No ano passado, o Executivo apresentou uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) visando aumentar sua influência nas decisões da empresa. Este tema está atualmente sob análise pela Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal.
Lula está buscando emplacar o nome do ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, um dos responsáveis pela recessão de 2015-16, como membro do conselho da Braskem, empresa do setor químico na qual a Petrobras detém uma participação acionária de 36,1%. O presidente pretende aproveitar esta oportunidade, já que o mandato de dez dos 11 conselheiros da Braskem expira neste mês, incluindo os assentos da Petrobras e da Novonor (antiga Odebrecht). No ano passado, houve uma tentativa malsucedida de colocar Mantega na presidência ou no conselho de administração da Vale. A escolha do novo CEO da empresa foi adiada para o próximo ano. “O governo acredita ter o direito de interferir na gestão de empresas privadas”, comenta Vale, da MB Associados.
Comportamento do Governo Turva Horizonte das Empresas Privadas
O comportamento do governo petista complica ainda mais o cenário para as empresas privadas. Aspectos cruciais afetados pela atuação governamental incluem a imagem da empresa e as expectativas dos investidores.
Apesar desse contexto desafiador, a percepção é de que as empresas têm conseguido lidar bem com a situação. “Elas estão se defendendo eficazmente, porém, acabam dedicando um tempo valioso a essa tarefa, quando poderiam estar concentradas em discutir, por exemplo, planos de investimento e expansão para o exterior”, comenta Vale.
Outro impacto da intervenção do governo no setor privado é a insegurança jurídica. Um exemplo notável é o caso da Eletrobras. No final do ano passado, a empresa tentou incorporar a subsidiária Furnas. Contudo, uma iniciativa liderada pelo ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira, resultou em ações que interromperam o processo. A decisão final foi tomada em janeiro pelo STF. A assembleia para deliberar sobre o assunto foi autorizada e 95% dos acionistas votaram a favor da incorporação. “Com essas intervenções, o governo desvia o foco das questões mais prementes e imediatas, como é o caso do ajuste fiscal”, observa o economista-chefe da MB Associados.