Nos últimos anos, o Brasil tem sido palco de um profundo debate político e institucional que, para muitos, sugere a erosão do equilíbrio entre os Poderes da República. Uma visão cada vez mais proeminente, expressa por figuras como o cientista político Paulo Kramer, é a de que o país estaria passando por um “golpe em câmera lenta”, impulsionado pelas ações do Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo comportamento inerte do governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
O STF: De Guardião Constitucional a Poder Moderador?
Um dos pontos centrais dessa discussão é o papel do STF, que tem se afastado de sua função constitucional de guardião das leis e se tornado, na visão de Kramer e outros críticos, um “Poder Moderador” de fato. Segundo Kramer, esse fenômeno começou a ganhar força quando o ministro Dias Toffoli, temendo os desdobramentos da Lava Jato, delegou ao ministro Alexandre de Moraes a condução do controverso inquérito das fake news. Desde então, o STF tem adotado posturas que ultrapassam o que seria esperado de um tribunal constitucional, intervindo em questões políticas e sociais de maneira inédita.
As ações de Alexandre de Moraes, em particular, têm sido vistas como autoritárias, especialmente no contexto das eleições de 2022. O ministro, à frente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) durante o pleito, foi acusado de agir de forma desproporcional contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, favorecendo Lula e, assim, comprometendo a imparcialidade que deveria reger o processo eleitoral.
Lula: Fracassos e conivência
Do lado do governo, o presidente Lula enfrenta uma crescente fragilidade. Em seu terceiro mandato, Lula não é mais o líder vigoroso de outrora. Segundo Kramer, além de questões pessoais, como sua saúde e idade, Lula enfrenta uma realidade política muito diferente daquela que dominou em seus primeiros mandatos. O tradicional “presidencialismo de coalizão” perdeu força, especialmente após a aprovação das emendas parlamentares de execução obrigatória, que garantiram ao Congresso um controle significativo sobre o orçamento.
Lula, que em seus primeiros mandatos controlava o Congresso por meio de acordos e distribuição de verbas, agora depende cada vez mais do STF para aprovar suas medidas e manter seu governo estável. Essa dependência ficou clara recentemente quando o ministro do STF, Flávio Dino, autorizou a abertura de crédito extraordinário para o combate a incêndios florestais, ‘bypassando’ as restrições impostas pelo arcabouço fiscal. Embora Lula pudesse ter buscado apoio diretamente no Congresso, preferiu se apoiar na decisão do tribunal, evidenciando a crescente interferência do Judiciário em questões que, tradicionalmente, seriam de responsabilidade exclusiva do Executivo.
O STF e a Sociedade: Tolerância testada
Para Paulo Kramer, o comportamento do STF faz parte de um “experimento pavloviano” em que a tolerância da sociedade brasileira para com abusos de poder e “expedientes menos democráticos” é testada constantemente. A cada nova medida do tribunal, a indiferença popular encoraja os ministros a avançarem ainda mais sobre as prerrogativas dos outros Poderes. Porém, ele acredita que o “ponto de virada” está próximo, com uma crescente conscientização pública sobre os excessos do STF e a necessidade de restaurar o equilíbrio constitucional no país.
Um exemplo dessa insatisfação crescente foi a manifestação de 7 de setembro de 2023, em São Paulo. Embora tenha contado com menos pessoas do que eventos anteriores, a comparação com os atos esvaziados na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, demonstrou que, apesar da tentativa do governo e de parte da mídia de minimizar o impacto, o movimento conservador e de direita continua mobilizado e relevante.
A crise institucional e as eleições
Kramer também aponta que as próximas eleições, tanto municipais quanto nacionais, serão fundamentais para determinar o futuro do país. Ele prevê que a direita poderá fragmentar ainda mais o espectro político se não mantiver a união. Se houver divisão interna, somada à crescente dependência do governo em relação ao STF, criará um cenário de instabilidade e incerteza.
Além disso, a possível anistia aos presos dos atos de 8 de janeiro e o processo de impeachment de Alexandre de Moraes são temas que poderão aumentar ainda mais a tensão entre o Judiciário e os outros Poderes. Embora muitos vejam os atos como uma depredação comparável a outros eventos violentos do passado, a narrativa dominante trata o episódio como uma tentativa de golpe, complicando as discussões sobre uma possível anistia.
O Futuro do Brasil
O Brasil vive um momento delicado, com um governo enfraquecido, um Congresso cada vez mais autônomo e um Judiciário que ultrapassa suas fronteiras constitucionais. Para Paulo Kramer, o cenário atual configura um “golpe em câmera lenta”, no qual a democracia brasileira está sendo lentamente corroída por ações do STF e pela conivência do governo Lula.
A restauração do equilíbrio entre os Poderes, segundo ele, depende da mobilização popular e de uma pressão efetiva sobre os representantes eleitos para que o STF retorne ao seu papel constitucional. Caso contrário, o Brasil corre o risco de ver sua democracia fragilizada e seu desenvolvimento político permanentemente comprometido.