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sábado, 23 novembro, 2024
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Bomba: Governo financia tortura e abusos em comunidades terapêuticas para dependentes químicos

Por Marina B.

O decreto determina que as comunidades terapêuticas não cumprem os requisitos para operar no Suas (Sistema Único de Assistência Social), portanto, as inscrições dessas organizações devem ser canceladas dentro de 90 dias pelos governos estaduais e municipais. No ano passado, mais de cem associações de saúde mental e ativistas anti-manicômio, representando a delegação da 5ª Conferência Nacional de Saúde Mental, enviaram uma carta-manifesto ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O grupo demandou alterações na política de saúde mental do governo, que continuava a financiar comunidades terapêuticas, um modelo apoiado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), mas contestado por psiquiatras, que apontam sua ineficácia no tratamento e violações de direitos.

Uma pesquisa do Ipea realizada em 2017 revelou que 82% dessas organizações tinham ligações com igrejas e grupos religiosos, sendo 40% pentecostais e 27% católicas. A leitura da Bíblia era obrigatória em 89% das comunidades, enquanto a oração e a participação em cerimônias religiosas eram práticas comuns em 88%. O financiamento do governo federal para vagas em comunidades terapêuticas começou em 2010, no programa “Crack, é possível vencer”, do Ministério da Justiça. Durante os governos de Michel Temer e, especialmente, de Bolsonaro, essa política foi ampliada. Em 2020, mais de 27 mil pessoas foram acolhidas nessas comunidades, com um investimento de mais de R$ 130 milhões naquele ano. A administração de Lula, apesar dos discursos contrários ao modelo de tratamento e das revogações, levou mais de um ano para retirar o financiamento público das comunidades terapêuticas. Em janeiro do ano passado, após extinguir a Secretaria Nacional de Cuidados e Prevenção às Drogas, do Ministério da Cidadania, o governo Lula criou o Departamento de Apoio a Comunidades Terapêuticas, posteriormente renomeado como Departamento de Entidades de Apoio e Acolhimento Atuantes em Álcool e Drogas (Depad), vinculado ao MDS, com o objetivo de “redução da demanda por drogas”, e uma verba orçamentária de R$ 273 milhões. O MDS publicou uma portaria sete meses depois, prevendo, como uma das metas, a expansão do número de acolhimentos em Entidades de Apoio e Acolhimento Atuantes em Álcool e Drogas contratadas pelo Governo Federal até 2026.

O incentivo ao acolhimento também é evidente no Plano Plurianual (PPA) de Lula, apresentado em agosto, destacando um conflito político interno entre os setores que apoiam o investimento na Rede de Atenção Psicossocial (Raps) e aqueles que defendem o modelo das comunidades terapêuticas, com a bancada evangélica no Congresso Nacional principalmente ligada ao último. Ana Paula Guljor, psiquiatra e presidente da Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme), salienta que a criação do departamento gerou questionamentos por parte de entidades de saúde. Em janeiro do ano passado, o Conselho Nacional de Saúde recomendou a revogação da estrutura e pediu a reestruturação do financiamento das Redes de Atenção Psicossocial. Guljor observa que o governo alterou o nome do departamento, mas manteve a estrutura criticada pelos especialistas. Ela ressalta que a gestão federal tem ignorado repetidamente a posição dos Conselhos Nacionais que representam o controle social e discutem políticas de saúde pública. O Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) foi contatado pelo GLOBO, mas não respondeu aos questionamentos até a publicação da reportagem.

Uma inspeção nacional identificou crimes e violações A falta de eficácia do tratamento e as violações de direitos no modelo das CTs foram comprovadas por inspeções realizadas pelo Ministério Público Federal (MPF), Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) e Conselho Federal de Psicologia (CFP) em 28 unidades, em 2017. Entre os problemas encontrados nas entidades espalhadas por 11 estados e o Distrito Federal estavam internações forçadas e não documentadas, instalações precárias, péssimas condições de higiene, suspeita de trabalho forçado, intolerância religiosa, homofobia e até indícios de sequestro e cárcere privado com o consentimento da família. As inspeções revelaram um “contingente de usuários de drogas enviados a comunidades terapêuticas por ordem judicial” num tratamento que poderia ser considerado tortura, destacou o relatório, devido aos castigos físicos, trabalho forçado, privação de sono e alimentação e a privação da liberdade. Além disso, a força-tarefa encontrou novos “perfis” de internos, como idosos e pessoas com diversos transtornos mentais. Após as inspeções, algumas ações pontuais foram tomadas, como a abertura de inquéritos em nível estadual, mas não houve ações sistemáticas.

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