A “ADPF das Favelas” (ADPF 635), ação movida para reduzir a letalidade das operações policiais no Rio de Janeiro, pode estar se aproximando do fim. Na próxima quarta-feira (13), o Supremo Tribunal Federal (STF) deve decidir se homologará o relatório final elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o que poderá resultar no encerramento do processo. No entanto, a discussão gerada pela ação continua a acirrar o debate sobre o ativismo judicial e a possível usurpação das competências estaduais, com juristas apontando que a intervenção do STF pode criar um precedente perigoso para outros estados e para a autonomia do poder executivo local, informa a Gazeta do Povo.
A origem da ADPF 635 e as intervenções do STF
O STF vem interferindo diretamente na segurança pública do Rio de Janeiro desde 2020, quando iniciou o julgamento da ADPF 635, que foi ajuizada pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) em 2019. A ação tem como objetivo reduzir a letalidade policial e estabelecer restrições rigorosas às operações policiais em favelas fluminenses, com foco na proteção de direitos humanos. Durante a pandemia de Covid-19, a decisão da Corte proibiu a realização de operações policiais nas comunidades, o que, segundo a Secretaria de Estado da Polícia Civil do Rio de Janeiro, facilitou o crescimento do domínio de facções criminosas e, em alguns casos, fortaleceu as milícias locais.
Com o andamento da ação, a intervenção do STF no sistema de segurança pública do estado gerou uma série de determinações que afetaram diretamente a atuação da Secretaria de Segurança do Rio. Diversos atores, incluindo o CNJ, a Defensoria Pública e ONGs, passaram a influenciar as políticas de segurança do estado, com um enfoque nas chamadas “ações afirmativas” e “políticas antirracistas”, além de uma maior fiscalização externa das ações policiais.
A preocupação com o ativismo judicial e a autonomia dos estados
Embora o possível encerramento da ADPF 635 seja visto como um avanço para a resolução da ação, juristas como Alessandro Chiarottino, professor de Direito Constitucional, alertam para os riscos do precedente que ela cria. Chiarottino enfatiza que a intervenção do STF em uma política pública de segurança, que é uma competência estadual, levanta questões sobre o equilíbrio federativo e a autonomia dos estados.
“A Constituição é clara ao determinar que a segurança pública é uma competência primária dos estados. Ao determinar ações tão específicas, o STF está, de certa forma, usurpando a função do Executivo estadual”, afirma o professor. Ele ressalta que, embora a ADPF 635 se refira especificamente ao Rio de Janeiro, nada impede que ações semelhantes sejam movidas em outros estados, o que poderia ampliar o controle judicial sobre políticas públicas locais.
Além disso, Chiarottino critica o papel do STF na formulação de políticas públicas, apontando que a Corte não possui a expertise necessária para implementar soluções práticas e técnicas no campo da segurança pública. “O STF não tem o conhecimento técnico para decidir como deve ser feita a segurança pública no Rio de Janeiro, muito menos em outros estados”, conclui.
Impacto das decisões do STF e as críticas à abordagem ideológica
Fabrício Rebelo, coordenador do Centro de Pesquisa em Direito e Segurança (Cepedes), também vê com preocupação as decisões do STF relacionadas à ADPF 635, principalmente no que diz respeito à orientação ideológica que permeia as diretrizes da Corte. Para ele, a maior parte das medidas estabelecidas pelo STF e pelo CNJ não são baseadas em considerações técnicas de segurança pública, mas em uma agenda ideológica que favorece os direitos dos criminosos em detrimento da segurança da sociedade.
“Ao adotar uma postura que favorece os criminosos, o STF está colocando o policial em uma situação muito difícil. O policial, que deveria ser visto como um aliado da sociedade, passa a ser tratado como inimigo, o que afeta negativamente a dinâmica de segurança pública”, afirma Rebelo. Ele destaca ainda a preocupação com o risco de que essas diretrizes, ao priorizarem garantias de facções criminosas e milícias, possam contribuir para a perpetuação da violência nas comunidades.
O relatório do CNJ, que será homologado na próxima sessão do STF, traz recomendações que incluem a melhoria da transparência das operações policiais, com a obrigatoriedade de o Ministério Público ser informado em tempo real sobre as ações realizadas. Também são sugeridas medidas para aumentar a quantidade de recursos destinados à perícia policial e garantir maior autonomia aos peritos, o que, segundo Rebelo, poderia aumentar o risco de responsabilização excessiva dos policiais e prejudicar o cumprimento da lei.
Diretrizes ideológicas no relatório do CNJ
O relatório final do CNJ, que antecede a possível homologação da decisão pelo STF, traz sugestões de ações que têm gerado controvérsia. Entre elas, estão a implementação de políticas para combater o “racismo estrutural” e a adoção de medidas afirmativas para cargos altos nas forças de segurança. A presença dessas diretrizes, de caráter ideológico, foi fortemente criticada, uma vez que muitos dos membros do grupo responsável pela elaboração do parecer são ligados a organizações não governamentais, enquanto a representação das polícias foi limitada.
Essa composição é vista como um reflexo da natureza ideológica do relatório, que, para os críticos, prioriza questões de justiça social em vez de garantir a efetividade e segurança das operações policiais. A implementação de “ações afirmativas” em áreas da segurança pública, como sugerido no parecer, também é vista com ceticismo, já que pode desviar o foco das medidas necessárias para combater o crime de forma eficiente.
O futuro da ADPF e os desafios para a segurança pública
Com a possível homologação do relatório final, a ADPF 635 pode ser encerrada, mas os impactos dessa ação no sistema de segurança pública ainda devem reverberar por um bom tempo. A intervenção do STF nas políticas de segurança pública do Rio de Janeiro levanta questões fundamentais sobre a separação de poderes e a autonomia dos estados para gerir suas próprias políticas. A tensão entre a atuação judicial e a responsabilidade do Executivo estadual, bem como a balança entre direitos humanos e segurança da população, continua a ser um debate central nas discussões sobre a ADPF das Favelas.
Embora a ação tenha sido vista por alguns como uma tentativa de melhorar a segurança e reduzir a violência, especialmente nas favelas do Rio de Janeiro, ela também pode servir como um alerta sobre os limites da intervenção do Judiciário em políticas públicas locais, especialmente quando se trata de temas complexos e técnicos, como a segurança pública.