No final de semana, após uma significativa troca de mísseis entre Israel e o grupo Hezbollah, o presidente egípcio Abdel-Fattah el-Sissi conversou com um alto oficial militar dos EUA, expressando preocupação com o risco de uma nova escalada do conflito em Gaza.
El-Sissi enfatizou a necessidade urgente de a comunidade internacional “intensificar seus esforços e pressões para reduzir a tensão e interromper o ciclo de escalada que ameaça a segurança e a estabilidade regional”, segundo um comunicado do seu gabinete após a visita do general americano Charles Quinton Brown. Isso ocorreu algumas horas depois de confrontos entre as forças israelenses e o braço armado do Hezbollah, sediado no Líbano.
Juntamente com os EUA e o Catar, o Egito participa dos esforços de mediação para negociar um cessar-fogo em Gaza, onde uma ofensiva militar israelense está em curso desde os ataques do Hamas em 7 de outubro.
Essas declarações de el-Sissi servem para aprimorar sua imagem, observa Hossam el-Hamalawy, um pesquisador e ativista egípcio que reside na Alemanha e escreve sobre política egípcia. “A guerra em Gaza ajudou a consolidar ainda mais seu regime”, afirmou el-Hamalawy à DW.
Durante quase 11 meses de conflito, a ideia de que o Egito — o país mais populoso do Oriente Médio com cerca de 111 milhões de pessoas — é “grande demais para falir” se tornou mais convincente.
O conflito afetou fontes importantes de receita para o Egito, como turismo e transporte pelo Canal de Suez, agravando uma crise econômica que muitos atribuem à má gestão financeira de el-Sissi.
“Então, europeus, americanos, o FMI e outras potências internacionais estão correndo para resgatar o Egito”, diz el-Hamalawy, referindo-se a vários empréstimos e acordos recentes que ajudaram a evitar o colapso da libra egípcia.
“Sissi vai ao Ocidente e afirma estar lutando contra o terrorismo e sendo essencial para a estabilidade regional. Mas, ao mesmo tempo, reprime a dissidência interna”, acrescenta el-Hamalawy. “Ele é simplesmente um hipócrita. Recentemente, Ashraf Omar, um cartunista, foi preso por acusações de terrorismo devido aos seus desenhos, assim como muitos outros jornalistas e profissionais da mídia egípcios.”
El-Sissi “parece estar esperando que a raiva popular se volte contra Israel e, em menor grau, contra os EUA por apoiarem suas ações em Gaza”, afirmam pesquisadores do think tank britânico Chatham House.
Aproveitamento das Crises
O líder egípcio não é o único que está explorando a situação. Nos últimos dois anos, governos na Argélia, Tunísia, Líbia e Marrocos têm aproveitado as crises globais — incluindo guerras, migração e populismo na Europa — para fortalecer seus regimes, como analisado por Alia Brahimi e Karim Mezran do Atlantic Council.
A Argélia, por exemplo, usou sua posição temporária no Conselho de Segurança da ONU para reafirmar suas credenciais nacionalistas e anticoloniais, enquanto intensifica a repressão contra ativistas pró-democracia e proíbe organizações de direitos humanos.
Na Tunísia, o presidente Kais Saied tem usado uma postura pró-palestina para desviar a atenção da crise econômica e da repressão à oposição. A questão de Gaza tem dominado os discursos e a mídia local, enquanto um projeto de lei que poderia suspender ONGs é apresentado como uma reação ao conflito.
Desafios para os Líderes Regionais
Apesar dos ganhos que alguns líderes autoritários podem ter visto com o conflito, há um risco de que a questão palestina se torne uma faca de dois gumes. Os líderes árabes precisam equilibrar homenagens à causa palestina com a necessidade de evitar protestos e manter a estabilidade interna.
Marc Lynch, professor de ciência política na Universidade George Washington, acredita que os líderes árabes terão que enfrentar as desvantagens do conflito, especialmente dado o impacto econômico em seus países e a necessidade de controlar o descontentamento interno.