A partir da meia-noite (hora local) desta sexta-feira (5) até as 20h (17h em Brasília) de domingo (7), a imprensa francesa está proibida de comentar sobre política, pois o país entra no período de “reserva eleitoral” antes do segundo turno das eleições legislativas. Antes disso, veja o panorama do equilíbrio de poder após o primeiro turno, que ocorreu em 30 de junho, e o que está em jogo nesta eleição histórica para a França, a segunda maior economia da União Europeia.
Maioria relativa ou absoluta para a direita?
Com base no equilíbrio de poder após o primeiro turno e nas intenções de voto na França, o partido Reunião Nacional (RN), de direita, é o único com chances de obter uma maioria de deputados na Assembleia Nacional.
Embora uma grande reviravolta não possa ser descartada – a coligação de esquerda, Nova Frente Popular, está presente em um número significativo de distritos eleitorais, assim como os partidos que apoiam o presidente Emmanuel Macron –, o partido de Marine Le Pen, junto com seus aliados do partido de direita Os Republicanos (liderado por Éric Ciotti), deve ganhar quase 200 cadeiras. Isso já seria um impacto significativo no cenário político francês.
Seria uma vitória extraordinária se o RN conquistasse 289 deputados, garantindo uma maioria absoluta na Assembleia e levando a direita ao governo francês pela primeira vez desde o fim da Segunda Guerra Mundial.
No entanto, esse cenário não é o mais provável. Essa possibilidade diminuiu devido às desistências de candidatos envolvidos em mais de 300 disputas conhecidas como “triangulares” (quando três candidatos disputam a mesma vaga em um distrito eleitoral).
Os acordos entre a coligação de Macron e a esquerda, que resultaram na retirada de mais de 200 candidatos para fortalecer o bloqueio contra a direita, podem privar o partido de Le Pen de cerca de 30 assentos decisivos. Mas surpresas ainda podem ocorrer em algumas zonas eleitorais onde o cenário é incerto.
O RN teve avanços históricos no primeiro turno, especialmente na Bretanha – onde, pela primeira vez, a direita qualificou candidatos para o segundo turno em uma eleição importante como esta.
Surpresas na hora do voto
Entre os fatores difíceis de prever estão as transferências de votos. Os eleitores de esquerda, principalmente os da França Insubmissa (LFI, da esquerda radical), migrariam para um candidato macronista?
Em alguns casos, como na região francesa de Calvados, a ex-primeira-ministra Elisabeth Borne se beneficia da retirada de um candidato da LFI na esperança de vencer o RN. Mas não há garantias de que os votos serão transferidos automaticamente para Borne, que foi bastante criticada pela LFI durante a reforma previdenciária adotada por Macron por meio do dispositivo constitucional conhecido como “49-3” – um decreto que ajudou o presidente a aprovar reformas importantes sem o voto dos deputados, especialmente neste atual e último mandato.
No caso oposto, a mesma incerteza se aplica. Em Seine-Maritime, um candidato do partido de direita Horizontes se retirou em favor da candidata da esquerda radical, Alma Dufour. O presidente do partido, o ex-primeiro-ministro Edouard Philippe, havia solicitado que os eleitores não votassem nem na direita, nem na esquerda radical. Mesmo assim, alguns candidatos parecem continuar firmes no pacto nacional para barrar uma possível chegada da direita ao poder na França.
Além disso, a participação nas urnas ainda é incerta. A situação excepcional motivou os eleitores na semana passada, para o primeiro turno, com uma votação histórica que beirou os 70%. As previsões das pesquisas de opinião indicam um cenário semelhante, com 68% dos eleitores esperados no domingo.
Projeções de assentos na Assembleia oscilam
Um grande número de pesquisas foi publicado esta semana na França, levando em conta a retirada de candidatos entre os dois turnos. No entanto, elas se baseiam apenas em transferências hipotéticas de votos, o que dificulta a precisão: há 501 pesquisas diferentes e 90 delas são apresentadas como incertas.
Por fim, há uma jurisprudência recente no país que exige cautela máxima. Durante as eleições legislativas de 2022, as últimas pesquisas publicadas dois dias antes da votação previam menos de 50 assentos para a direita. No final, o RN de Le Pen e Jordan Bardella conquistou 89 assentos – um grande choque para os franceses.
O que está em jogo agora é saber se a chamada Frente Republicana (macronistas e coligação de esquerda) será eficaz ou será esmagada pela onda da direita, que teve um desempenho inédito na semana passada.
Se o RN conquistar uma maioria relativa, essa maioria ficará próxima ou longe dos 289 assentos necessários para a maioria absoluta? Se chegar perto, haveria espaço para uma coalizão da direita com parlamentares de outros partidos de direita para liderar o governo. Caso contrário, com poucos parlamentares do RN, quem governará? Como formar uma coalizão de perdedores?
Nesta sexta-feira, essas perguntas permanecem sem resposta na França, que pode se tornar “ingovernável”, conforme repetidamente publicado na imprensa francesa, dependendo dos resultados deste segundo turno.
O cenário atual é inédito na Quinta República francesa, que possui uma Constituição projetada para garantir que a regra da maioria prevaleça. Esta “névoa de verão” só deve se dissipar na noite de domingo.