A fratura entre a comunidade judaica da França e o presidente Emmanuel Macron é cada vez maior. Na semana passada, declarações do chefe de estado, acusando Israel de “semear a barbárie” geraram revolta da comunidade judaica. O Conselho Representativo das Instituições Judaicas da França (Crif) lamentou comentários “ultrajantes”.
“Falamos muito, nos últimos dias, sobre guerra, civilização ou civilização que deve ser defendida. Não tenho certeza se defendemos uma civilização semeando nós mesmos a barbárie”, insistiu o chefe de Estado numa conferência de ajuda ao Líbano na quinta-feira, em Paris.
As declarações do presidente francês foram uma resposta ao primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, que voltou a afirmar na quarta-feira (24), em entrevista ao canal de tevê francês CNews, que travava uma “guerra da civilização contra a barbárie” contra os movimentos islâmicos do Hamas em Gaza e do Hezbollah no Líbano.
As declarações de Macron provocaram imediatamente fortes reações na comunidade judaica, como seus comentários sobre o papel da ONU na criação do Estado de Israel.
“Nunca na história uma democracia acusou outra democracia de ‘semear a barbárie’”, disse o Crif, lamentando comentários “ultrajantes” que pareciam a “uma injúria”.
Para o presidente da União dos Estudantes Judeus de França (UEJF) Yossef Murciano, “Macron está mais uma vez nos mergulhando na desordem”.
“O Hezbollah, assim como o Hamas, é uma ameaça existencial para Israel e a sua dimensão como estado de refúgio para judeus em todo o mundo”, continua ele.
O Hamas realizou o pior massacre de judeus desde a Segunda Guerra Mundial, em 7 de outubro de 2023, em Israel, desencadeando uma resposta israelense sem precedentes na Faixa de Gaza.
Dar exemplo
“Quando afirmamos ser civilização como faz Netanyahu, devemos dar o exemplo e respeitar o direito internacional”, responde o chefe da diplomacia francesa, Jean-Noël Barrot. “Não é ofensa ao povo de Israel e ao povo judeu lembrar constantemente o governo das suas obrigações”, disse ele.
Mas para muitos, a palavra “barbárie” é “extremamente carregada”, refere-se ao “terrorismo e aos grupos jihadistas”, comentou Marc Hecker, pesquisador do Instituto Francês de Relações Internacionais (Ifri).
“A comunidade judaica vive um mal-estar que remonta ao vivido na época do General de Gaulle, quando ele descreveu os judeus como um ‘povo de elite, autoconfiante e dominador”, em reação à Guerra dos Seis Dias em 1967, e decidiu impor um embargo de armas a Israel, comenta o presidente do Crif Yonathan Arfi. “Foi um trauma para os judeus da França”, lembrou.
A incompreensão é ainda maior porque em 2017 o chefe de estado “demonstrou repetidamente sua proximidade com Israel e com o povo judeu”, sublinha Frédéric Haziza, chefe do departamento político da estação comunitária Rádio J.
Nem todos os judeus da França apoiam o primeiro-ministro israelense, mas “há um ponto que é unânime, a existência de Israel e o seu direito de se defender”, destaca.
Equilíbrio instável
Após o apoio sem reservas a Israel após o 7 de outubro, o presidente Macron reequilibrou a posição francesa em relação ao mundo árabe, reafirmando, ao mesmo tempo, a sua preocupação com a segurança de Israel.
“É um equilíbrio instável, vemos que isso incomoda muitos atores e os deixa irritados”, um após o outro, observa Marc Hacker. “Isto não é uma ruptura com a comunidade judaica, e sim uma crise”, acrescenta.
Para Agnès Levallois, do Instituto de Pesquisa e Estudos sobre o Mediterrâneo e o Oriente Médio, o chefe de estado “fez muitas promessas ao primeiro-ministro israelense e não foi de forma alguma agradecido”, principalmente o esperado cessar-fogo no Líbano, daí a sua raiva e a escalada verbal durante várias semanas com Benjamin Netanyahu.