Os senadores franceses se pronunciarão nesta quarta-feira (27) sobre a declaração do poder Executivo que se opõe ao acordo comercial em negociação entre o Mercosul e a União Europeia (UE). Ontem, na Assembleia Nacional, 87% dos deputados expressaram seu repúdio ao tratado. Essas votações, embora não tenham efeitos práticos, visam reforçar o posicionamento do governo francês perante a Comissão Europeia, favorável ao acordo, e o conselho composto pelos 27 líderes do bloco. A França conseguiu uma vitória parcial, ao convencer o governo da Polônia a endossar sua posição, de não aceitar os termos do acordo “tal como está negociado”.
Em meio aos protestos de agricultores, 484 dos 555 deputados franceses presentes no plenário da Assembleia validaram a posição do governo, que buscava um apoio unânime do Parlamento para pressionar a Comissão Europeia nas negociações. Este resultado é “um mandato democrático que reforça nossa legitimidade para defender o ‘não’ perante a Comissão e o Conselho Europeu”, afirmou no plenário a ministra do Comércio Exterior, Sophie Primas.
Os 70 deputados que se recusaram a endossar a declaração do Executivo, muitos deles do partido de esquerda radical França Insubmissa (LFI), consideraram que o governo não foi longe o suficiente para bloquear o acordo atual. Com este argumento, a bancada de esquerda radical impediu uma vitória por unanimidade ao primeiro-ministro Michel Barnier e ao presidente Emmanuel Macron.
Por outro lado, o governo obteve apoio de outros grupos opositores. “A realidade é que nossos agricultores não querem morrer e nossos pratos não são latas de lixo”, disse Vincent Trébuchet, deputado da sigla UDR (União dos Democratas pela República), na oposição ao atual governo de centro-direita.
“A parte agrícola desse acordo é uma tragédia. Ela vai contra nossos interesses mais vitais, quer dizer, a sobrevivência de nossos agricultores. Sem eles, a França não terá soberania alimentar. Sem eles, seremos permanentemente dependentes dos agricultores sul-americanos e estaremos nos vinculando às suas frágeis economias e, portanto, ao seu destino. Seus padrões sociais e ambientais serão os nossos. O acordo nos tornará ainda mais dependentes da agricultura, pois prevê a eventual abolição de 92% dos direitos alfandegários sobre os produtos importados pela União Europeia do Mercosul. Nossa posição é clara: esse acordo é uma vergonha e somos obviamente contra ele”, disse o deputado.
A produção de carne brasileira atraiu a maior parte das críticas durante a sessão parlamentar. “Tomaríamos a pecuária brasileira como modelo?”, questionou a deputada de extrema direita Hélène Laporte, respondendo que “não”. Ela condenou o uso de antibióticos como promotores de crescimento dos animais na pecuária, um tipo de tratamento que é proibido na França desde 2006, quando a União Europeia estabeleceu essa restrição.
Agricultores continuam mobilizados nas estradas
A França rejeita “de forma plena e decidida” o acordo “em sua forma atual”, argumentou a ministra da Agricultura, Annie Genevard, que classificou essa oposição “firme” como não sendo “doutrinária”, já que o governo não se opõe “por princípio” aos acordos de livre comércio.
Na prática, todas as forças políticas que compõem a Assembleia francesa são contra o acordo, embora tenham manifestado nuances. Uma boa parte da esquerda e da extrema direita criticou o governo por sempre usar a expressão “em sua forma atual”, enquanto Alemanha e Espanha pressionam a Comissão Europeia, que negocia em nome dos países da UE, para concluir o acordo antes do final do ano.
A perspectiva de um acordo gera temor entre os agricultores europeus, que temem a entrada massiva de carne bovina, aves e açúcar, entre outros produtos, no mercado europeu. Na França, os agricultores voltaram a bloquear as estradas com tratores nesta terça-feira, dando continuidade a uma mobilização iniciada na sexta-feira passada.
“Nossa sobrevivência está em jogo”, afirmou o pecuarista Jérôme Bayle, uma das lideranças da grande mobilização de janeiro, na Assembleia Nacional, horas antes do debate, pedindo a Macron “medidas enérgicas”.
Polônia endossa posição francesa
A Polônia “não aceitará” o acordo entre a União Europeia e o Mercosul tal como está negociado, disse, nesta terça-feira (26), o primeiro-ministro polonês, Donald Tusk, somando a oposição de seu país à da França. “A Polônia não aceitará (…) o acordo de livre comércio com os países sul-americanos, ou seja, com o bloco Mercosul, desta forma”, disse Tusk a jornalistas em Varsóvia, antes de se reunir com seu gabinete.
Vários países europeus, incluindo a Espanha e a Alemanha, querem que o acordo seja concluído, pois ele promoveria a exportação de carros, máquinas e produtos farmacêuticos da UE. Na França, os produtores de vinho e de leite, que há muito tempo se adaptaram às exportações, também são favoráveis, assim como laboratórios farmacêuticos, as indústrias química e automobilística, e o setor de serviços.
Minoria de bloqueio
Para melhorar as condições de competitividade dos agricultores provavelmente prejudicados pelas importações mais baratas da América do Sul, a França adotou a posição de defender uma “minoria de bloqueio” nas instâncias de decisão europeias.
Para que o acordo entre os dois blocos seja validado, o texto deve obter uma maioria qualificada no Conselho de líderes da UE. Isto significa que deve ser aprovado por pelo menos 55% dos estados-membros, representando pelo menos 65% da população dos 27 países. Assim, para a “minoria de bloqueio” ser alcançada, pelo menos quatro estados-membros, que em conjunto representam mais de 35% da população da UE, devem se opor ao tratado.
Neste contexto, o apoio da Polônia, um país com 36,6 milhões de habitantes, é importante, mas ainda insuficiente para travar as negociações.