Os Jogos Olímpicos sempre funcionam como uma vitrine para o país anfitrião, e com a França não é diferente. Contudo, isso também revela aspectos negativos. A sabotagem dos trens horas antes da cerimônia de abertura expõe uma desordem estrutural no país, caracterizada não apenas por sabotagens e greves, mas também por violência urbana e ameaças terroristas.
Na manhã de sexta-feira, 26, o sistema de transporte público da Grande Paris entrou em colapso devido a ataques coordenados, incluindo incêndios criminosos e vandalismo. Jean-Pierre Farandou, CEO da SNCF, informou que 800 mil usuários foram diretamente afetados, impactando todo o sistema de transporte.
Os criminosos incendiaram tubulações contendo cabos de sinalização vitais para o funcionamento do sistema em três linhas diferentes da rede TGV de alta velocidade. Dois dos quatro trens que transportavam atletas para Paris foram paralisados horas antes da abertura dos Jogos. Dois atletas alemães, a caminho da cerimônia, tiveram que retornar ao passar pela Bélgica.
As autoridades ainda investigam a autoria das sabotagens, que parecem ter as digitais de militantes de extrema esquerda, conhecidos por interromper serviços de transporte em manifestações contra privatizações e outras medidas liberais do governo.
O incidente alimenta as críticas da Reunião Nacional (RN) de Marine Le Pen, que acusa o governo de ser leniente diante das agitações dos ativistas e da criminalidade urbana, frequentemente atribuídas à imigração pela extrema direita.
Ataques gratuitos contra transeuntes brancos, principalmente à noite, são comuns nas grandes cidades francesas, cometidos por jovens descendentes de imigrantes árabes. Um amigo jornalista foi espancado e gravemente ferido em Paris, quando voltava para casa de madrugada.
Em julho do ano passado, um homem de 46 anos foi espancado até a morte no festival anual de Baiona após pedir a um grupo de jovens que parassem de urinar na rua. Ninguém foi processado. Duas semanas depois, uma mulher de 29 anos foi brutalmente estuprada em sua própria casa em Cherbourg-Octeville, no norte da França. Um jovem de 18 anos, com um extenso histórico de crimes não-punidos, foi detido.
Embora não sejam apenas descendentes de árabes que cometem esses crimes, parte deles é alimentada por tensões raciais. Além dos crimes de ódio, furtos e roubos são mais comuns na França do que em outros países de desenvolvimento comparável.
As prisões francesas estão superlotadas. Uma reportagem da Reuters revelou que o presídio de Villepinte, nos arredores de Paris, abrigava 1.048 presos, apesar de sua capacidade ser de 582. Embora isso possa parecer trivial em comparação com a realidade brasileira, não é comum em países desenvolvidos.
A política externa francesa também contribui para a insegurança. Na quarta-feira, o Ministério Público anunciou a prisão de um russo de 40 anos, acusado de espionagem para uma potência estrangeira com o objetivo de provocar hostilidades na França.
O presidente Emmanuel Macron é um dos principais aliados da Ucrânia contra a Rússia, e a atuação da França contra grupos jihadistas na África tem aumentado a ameaça de células terroristas, especialmente do Estado Islâmico.
Essa combinação de ameaças, ativas e potenciais, gera uma sensação de insegurança que fortalece a extrema direita francesa. Nas eleições de junho para o Parlamento Europeu, a RN formou a maior bancada francesa.
Graças a uma aliança tática entre o centro de Macron e a esquerda, que retiraram candidaturas em distritos onde o outro tinha mais chances no segundo turno das eleições para a Assembleia Nacional, a extrema direita ficou em terceiro lugar. Contudo, continua sendo um movimento forte e crescente, alimentado pela percepção de desordem.
O sucesso ou fracasso dos Jogos Olímpicos terá importantes repercussões políticas.