Há semanas o mercado financeiro aguarda por um anúncio do governo federal para a contenção de gastos, sinalizado para ser levado pela equipe econômica ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) após o segundo turno das eleições municipais, findado neste domingo (27).
A espera, porém, deve ser maior do que inicialmente prevista. Nesta terça (29), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, jogou um banho de água fria ao afirmar que não há prazo para a medida ser divulgada, e que o envio das propostas depende da aprovação de Lula.
Perguntado sobre valores, Haddad reforçou que divulgações oficiais só serão feitas assim que o presidente aprovar o projeto.
O incômodo do mercado em “ficar no escuro” e sem saber muito sobre o que está por vir se manifestou nos índices econômicos, com o dólar subindo quase 1% e fechando na casa de R$ 5,76, o maior patamar em três anos, após as declarações do ministro.
A questão neste momento não é tão fortemente direcionada à meta fiscal de déficit zero, mas sim à sustentabilidade das contas públicas no longo prazo, pontuam analistas ouvidos pela CNN.
“O que preocupa são os próximos anos. É a questão de voltarmos a ter um superávit primário, diante de um crescimento de gastos obrigatórios que é superior ao que o arcabouço permite”, aponta Thaís Zara, economista sênior da LCA Consultores.
Apesar de o ministro da Fazenda ter assegurado que o Executivo vem trabalhando em conjunto, utilizando estudos e dados para “fazer algo ajustadinho”, o mercado aumentou as dúvidas com o compromisso do governo federal em apresentar um projeto crível para o ajuste fiscal.
“Os comentários do Haddad colocaram uma incerteza no ar sobre a revisão. Enquanto não se provar que a diligência fiscal está num nível satisfatório, o investidor vai evitar”, aponta Daniel Teles, especialista da Valor Investimentos.
Jefferson Laatus, estrategista-chefe do grupo Laatus, reforça que falta uma solução clara para o cenário fiscal dos próximos anos. Não obstante, sua avaliação é de que o dólar atingiu o maior patamar em três anos “justamente por preocupações fiscais”.
“A gente tem um problema interno, o fiscal gravíssimo que vem incomodando o cenário. Não estamos com credibilidade suficiente para atrair o capital do mundo”, pontua Laatus.
O que precisa ser feito
O que os economistas ouvidos pela CNN apontam é que é necessário adequar uma série de gastos do governo ao limite estabelecido pelo arcabouço fiscal.
A nova regra de gastos públicos, aprovada em 2023, deu fim ao teto de gastos. A partir de então, as despesas do governo podem crescer entre 0,6% – em períodos de retração – e 2,5% – em momentos de expansão – acima da receita do ano anterior e com valores corrigidos pela inflação.
Dentro da banda, os gastos poderão crescer até 70% da variação da receita do ano anterior.
A questão é que uma série de despesas do governo têm crescido de modo a pressionar a regra.
“Se você não desacelera, não torna compatível o crescimento das despesas com o total. O que acontece, inevitavelmente, é que essas despesas vão acabar com o espaço do orçamento, e assim você perdeu o controle sobre a máquina pública”, afirma Gino Olivares, economista-chefe da Azimut Brasil Wealth Management.
“Haddad tenta fazer com que o arcabouço fique em pé. Mas o mercado desconfia que se nada for feito, é uma questão de tempo para que o arcabouço caia por absoluta impossibilidade de cumpri-lo”, conclui o economista-chefe da Azimut.
Nesse sentido, uma das necessidades de revisão apontadas pelos especialistas são os benefícios cujos valores são reajustados conforme o salário mínimo, atualmente em R$ 1.412.
A Previdência Social e o Benefício de Prestação Continuada (BPC) são alguns cuja mecânica de cálculo é questionada, por crescerem além do que o arcabouço permite.
Do total de despesas primárias apuradas no 4º bimestre pelo relatório de gastos do governo, 45,6% delas são ligadas a benefícios previdenciários. E, mesmo assim, há quem aponte que os gastos estão subestimados.
O governo anunciou um pente-fino para cortar beneficiários que estejam recebendo os pagamentos de maneira irregular — aqueles que não se enquadram nos programas.
Apesar de aliviar a conta, a revisão não se enquadra no que é apontado como necessário, já que a revisão constante das contas públicas deveria ser uma obrigação do governo, e não algo apontado como uma “vontade” de cortar gastos, ressalta Olivares, da Azimut.
Olhando para os dados do governo federal, os economistas apontam que os gastos obrigatórios aceleram num ritmo maior que o total permitido pelo arcabouço.
Desse modo, o que os economistas apontam é que se elas não forem controladas, em pouco tempo todos os gastos do governo serão compostos por esses valores, impedindo a realização de investimentos.
Expectativas
Nas últimas semanas, quem mais tem sinalizado sobre o pacote de gastos é a ministra do Orçamento e Planejamento, Simone Tebet. A avaliação dela é de que “chegou a hora de levar a sério” a revisão de gastos públicos no Brasil.
“O que a Tebet fala é focado no médio prazo, são medidas estruturais. Ela indica adequar as despesas que estão crescendo além do que o arcabouço libera”, afirma Luciano Costa, economista-chefe da Monte Bravo.
Dentre os gastos destacados pelo especialista estão aqueles ligados à saúde, educação, benefícios sociais e emendas parlamentares.
Aqui é onde os economistas ouvidos se dividem. Thaís Zara avalia que o mercado está em alerta e aguardando sinais concretos para se posicionar. Enquanto isso, a visão de Luciano Costa é de que as falas de Simone Tebet já têm surtido efeitos positivos.
Porém, Gino Olivares se diz bastante cético com o que governo possa anunciar. Ele afirma que o diagnóstico trazido aqui é claro inclusive para os técnicos do governo, contudo enfatiza que “saber o que fazer é a parte mais fácil da história”.
“O diagnóstico é claro para economistas e analistas. Mas em que momento a proposta da equipe econômica converge com a proposta do governo?”, questiona o economista-chefe da Azimut, que acredita que o governo tem buscado se posicionar de maneira a baixar a expectativa do mercado, uma vez que a dívida deve seguir crescendo.
Mas fato é que é essa reforma estrutural que os investidores aguardam. E se o pacote ambicioso for cumprido, a aposta é por uma melhora generalizada dos ativos brasileiros, destacando-se um alívio importante em câmbio e taxas de juros longas, beneficiando principalmente o preço das ações.
“Se vier em linha, vai haver uma melhora na percepção de risco. Adequando tudo para o limite do arcabouço, algo em torno disso, o mercado receberia bem. Se discutir muitas exceções, o mercado volta a ficar nervoso”, conclui Costa.
Jefferson Laatus faz uma previsão para o dólar. Caso as mudanças se concretizem, aponta para uma estabilização da cotação. Caso a dívida pública siga descontrolada, acredita que a divisa pode bater a faixa dos R$ 6.