Juros elevados, crédito restrito e efeitos ainda sentidos da pandemia prejudicam o país
O ambiente corporativo brasileiro enfrenta uma combinação difícil: juros elevados, crédito restrito e efeitos ainda sentidos da pandemia. Esses fatores têm levado um número crescente de companhias a recorrer à recuperação judicial. Segundo a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), apenas em 2024 os pedidos aumentaram mais de 60%.
Um estudo do Monitor RGF mostrou o impacto desse movimento: quase 30% das empresas que concluíram processos de recuperação judicial no segundo semestre de 2025 acabaram falindo.
Entrada tardia no processo de recuperação judicial
Para Fernando Canutto, sócio do escritório Godke Advogados e especialista em Direito Empresarial, muitas companhias recorrem ao instrumento quando já não existe chance real de sobrevivência. “Por desconhecimento, teimosia de seus gestores e medo do estigma associado à recuperação judicial, empresas ingressam com o pedido quando já perderam liquidez, ativos estratégicos ou credibilidade no mercado, ou seja, quando o negócio já se tornou irrecuperável”, afirmou.
Ele lembra que a recuperação judicial foi criada para empresas viáveis, mas que atravessam crises temporárias. “Quando a entrada ocorre de forma tardia, o processo acaba funcionando mais como um rito pré-falimentar do que como uma verdadeira oportunidade de reorganização”, acrescentou
O cenário econômico
A legislação brasileira (Lei 11.101/2005, atualizada em 2020) prevê instrumentos para renegociar dívidas, manter a atividade econômica e estimular acordos com credores. Ainda assim, Canutto alerta que o contexto econômico pesa tanto quanto a lei no resultado desses processos.
“O problema é que, em períodos de juros altos, crédito restrito, retração do consumo ou aumento de custos, turbulência internacional e desconfiança quanto à capacidade governamental de aplacar, ou, até mesmo, deixar de corroborar com o aumento da crise, as empresas com os planos mais bem estruturados encontram dificuldades para cumprir suas obrigações”, observou o advogado. “Ou seja, a legislação fornece a ferramenta, mas o ambiente econômico é decisivo para o sucesso ou fracasso da recuperação.”
Em um contexto como esse, a economia simplesmente para. Não por acaso, o mercado espera um último trimestre extremamente complicado. Em julho, a casa de análise econômica BCA Research publicou um relatório com um título indicativo “Brasil: não vale o risco”, no qual prevê uma recessão até dezembro de 2025.
“Esse cenário revela um problema estrutural profundo da economia brasileira. O governo deveria olhar isso com mais cuidado”, afirma a Oeste Thiago Freitas, assessor econômico da FecomercioSP. “Existe uma crise silenciosa, que não ganha espaço no debate político, de falências de empresas brasileiras, principalmente de pequenas e médias. Inadimplência histórica, endividamento crescente e pedidos recordes de recuperação judicial estão marcando o retrato do setor empresarial brasileiro.”