Com o endividamento em 76,6% do PIB e o retorno da dominância fiscal, o país corre para o precipício enquanto o governo insiste em políticas de curto prazo e auto sobrevivência
Os números não mentem. Há alguns anos, fiz uma previsão que ninguém queria ouvir: as despesas públicas brasileiras ultrapassariam estruturalmente as receitas em 2027 e 2028. Não foi pessimismo — foi matemática. Hoje, com um buraco de R$ 35 bilhões no orçamento de 2026 e uma dívida pública que já ultrapassa R$ 9,4 trilhões, o equivalente a 76,6% do PIB segundo o Banco Central, a conclusão é inescapável, pois não estamos caminhando para o precipício — estamos correndo. O número não é apenas uma estatística em uma planilha, é a confissão de um governo acuado e a prova de que a aritmética sempre vence.
Assim como uma empresa, um país não deveria sobreviver pensando apenas “no próximo trimestre”. Mas o Brasil vive exclusivamente para a próxima eleição. Cada decreto é pensado para o ciclo eleitoral seguinte; cada medida provisória é um remendo tático. A política de Estado foi substituída pela política de governo — imediatista, reversível e destrutiva.
A MP 1303 não é um erro técnico, mas um suicídio econômico deliberado mascarado de justiça social. Ao aumentar a tributação sobre investimentos e eliminar incentivos de longo prazo, o governo age na contramão do que o Tesouro mais precisa: tempo para alongar sua dívida.
O problema não são as isenções estratégicas para infraestrutura e imobiliário — setores que dependem de estímulo porque o próprio governo quebrou. O problema são as renúncias fiscais mantidas para grupos de interesse enquanto se pune quem investe. É uma medida autodestrutiva, movida por cálculo político, reflexo de um governo que pensa no calendário eleitoral, não no país.
Quando a MP começou a fracassar no Congresso, o relator transformou uma questão tributária em guerra eleitoral, responsabilizando governadores de oposição. A mensagem foi clara: quem se opõe é inimigo dos pobres. Não importam os efeitos fiscais — importa a narrativa. Quando a política tributária vira campanha antecipada, o país perde a capacidade de governar.
Após a derrota, o líder do governo anunciou um “arsenal de possibilidades” para recuperar a arrecadação, reeditando medidas rejeitadas e decretos já declarados inconstitucionais. Isso não é firmeza — é desespero. E, para quem investe pensando em décadas, é devastador. As regras podem mudar a qualquer momento; a previsibilidade desapareceu.
A ironia é que o Congresso respondeu com elegância e aprovou a isenção de IR até R$ 5 mil, mas rejeitou todos os aumentos de impostos que a financiariam. O recado foi claro: querem populismo? Ótimo. Mas paguem cortando privilégios do próprio governo.
O fato que ninguém quer confrontar é que o Partido dos Trabalhadores venceu cinco das últimas seis eleições presidenciais e, dos últimos 24 anos, ficou 17 no poder — oito de Lula, seis de Dilma e três do atual governo. São 17 anos definindo prioridades, nomeando ministros e moldando políticas. Se uma empresa tem o mesmo CEO por quase duas décadas e vai à falência, ninguém culpa o mercado — culpa-se o gestor. Com o Estado, não é diferente. Se, após todo esse tempo, a dívida explodiu, o sistema tributário se distorceu e a máquina pública inchou, a responsabilidade é de quem governou.
Há algo mais profundo: o sistema aprendeu a sobreviver da própria ineficiência. Quando as coisas funcionam, os políticos se tornam irrelevantes. Se os Correios fossem lucrativos, não precisariam de salvadores políticos; se o Marco das Garantias funcionasse, juízes não decidiriam cada contrato; se a reforma administrativa passasse, o Estado não precisaria de intermediários para operar. A equação é simples e deixa claro que a eficiência torna políticos desnecessários, e para quem vive do poder, ser desnecessário é inaceitável.
Por isso, quando o ex-ministro da Economia, Paulo Guedes, tornou os Correios lucrativos pela primeira vez na história recente, a resposta foi imediata: bloqueio total à privatização. O resultado hoje é um prejuízo projetado de R$ 20 bilhões até 2026. Não se trata de esquerda ou direita, mas de quem lucra com o caos versus quem precisa que o país funcione.
O buraco de R$ 35 bilhões é mais do que uma falha fiscal; é o sinal de que estamos entrando em um regime de dominância fiscal, quando o endividamento se torna tão grande que a política monetária perde poder, a inflação passa a ser o único imposto possível e o Estado, incapaz de se reformar, começa a se financiar destruindo o valor da própria moeda.
Quando o Judiciário declara que nenhuma reforma “contra” passará, a mensagem é clara: o sistema não está protegendo a instituição, está garantindo que nunca se torne irrelevante por ser eficiente.
O contraste é obsceno: reformas que atingem contribuintes andam rápido; as que tocam privilégios são barradas preventivamente. Executivo capturado, Legislativo fragmentado e Judiciário autocentrado — três poderes falhando simultaneamente, todos priorizando a autopreservação em detrimento do interesse público.
O Brasil não tem uma crise fiscal, mas uma crise de complexidade. São mais de 90 tipos de tributos, um sistema que consome 2.600 horas anuais das empresas, contra 200 horas na média global. É um imposto invisível sobre produtividade e inovação.
O Estado foi capturado por si mesmo: quase metade do orçamento federal é destinada à folha de pagamento e aposentadorias. Qualquer reforma atinge quem teria de aprová-la — um sistema travado por design. Foi capturado também por setores privados de interesse.
Como lembra o economista Marcos Lisboa, 10% de todo gasto público vem de decisões judiciais, muitas garantindo privilégios e subsídios setoriais. O PERSE, criado na pandemia como medida temporária, virou permanente até 2027, custando mais de R$ 20 bilhões em renúncias fiscais.
Enquanto isso, pequenas e médias empresas pagam as maiores alíquotas do mundo. Zona Franca de Manaus, BNDES escolhendo “campeões nacionais”, setores inteiros com isenções e juros subsidiados, enquanto empreendedores reais são sufocados. O resultado é uma economia disfuncional em que o Estado escolhe vencedores, mas não os deixa fracassar. Empresas zumbis sobrevivem com subsídios; inovação morre porque inovar exige liberdade para errar — e o Estado não permite.
A crise de eficiência se reflete também no capital humano. Profissionais qualificados estão saindo, levando décadas de produtividade e impostos futuros. Cada um que vai embora torna mais difícil a vida dos que ficam.
A diferença entre competência e fracasso sistêmico é visível: São Paulo, sob gestão profissional, passou de um déficit de R$ 10 bilhões em 2018 para superávits consecutivos, atingindo R$ 11,5 bilhões em 2023 — o maior da história do estado. Contas equilibradas, investimentos em infraestrutura e credibilidade recuperada.
Enquanto isso, em 17 anos de poder federal, o PT entrega rombo, dívida crescente e uma máquina pública inchada. Não é coincidência — é competência versus fracasso sistêmico.
O governo não precisou ser derrubado; derrubou-se sozinho. O que vemos não é apenas a preparação para uma eleição, mas a reorganização completa do tabuleiro político diante do esgotamento de um modelo de governança.
A dúvida não é se haverá mudança em 2026 — ela já começou. A questão é se virá acompanhada de uma reforma real ou se será apenas a troca de rostos que preserva o modelo disfuncional. As medidas necessárias contradizem décadas de narrativa construída pelo PT, que sempre evitou cortar privilégios, reformar a máquina pública e reduzir gastos estruturais. O governo não pode fazer isso sem negar sua própria história. Por isso, não fará — e por isso a crise será enorme.
Quem assumir em 2027 herdará não apenas um país quebrado, mas um Estado em regime de dominância fiscal. Não haverá espaço para gradualismo. Será necessário total apoio do Congresso e medidas duras para dar um choque de credibilidade — algo como o modelo Temer-Meirelles, entre 2016 e 2018, quando a simples demonstração de responsabilidade fiscal devolveu confiança aos mercados e interrompeu a espiral de deterioração.
A diferença é que um candidato ungido pelo Centrão terá condições maiores de implementar reformas estruturais, com apoio automático da base parlamentar para aprovar o que hoje é impossível: reforma administrativa, corte de privilégios e ajuste fiscal real. Mas essa janela será curta, e o custo do fracasso, irreversível. Porque, se apenas trocarmos o governo sem mudar o sistema, estaremos adiando a crise — e o custo de cada adiamento cresce exponencialmente.
Amo este país. Construí empresas e criei empregos aqui. Mas ver pessoas competentes fazendo escolhas destrutivas por sobrevivência política é insuportável. A MP 1303 foi rejeitada, mas nada estrutural mudou. O buraco de R$ 35 bilhões continua, os decretos virão, a dívida crescerá. E quando o colapso finalmente chegar, todos fingirão surpresa. A matemática não mente. As pessoas, sim.
*Opinião publicada por Walter Maciel (CEO da Az Quest) em sua coluna no Infomoney.