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Imposto mínimo de 15% sobre multinacionais preocupa empresários

Por Alexandre Gomes

O movimento do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de instituir uma cobrança adicional da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) para multinacionais sediadas no Brasil preocupa a classe empresarial e parlamentares ligados ao mundo dos negócios.

A Medida Provisória (MPV) 1262/2024, editada em outubro, ainda não começou a tramitar efetivamente no Congresso Nacional. O texto busca enquadrar o Brasil às chamadas Regras Globais Contra a Erosão da Base Tributária (Regras GloBE), parte do “Pilar 2 da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), pactuadas por 140 países, a serem aplicadas sobre grupos multinacionais com receitas anuais superiores a 750 milhões de euros.

A ideia do governo é estabelecer a tributação mínima efetiva de 15% no processo de adaptação da legislação às regras internacionais, em meio aos esforços para fazer frente ao alegado “planejamento tributário agressivo das multinacionais”, assegurando a cobrança de impostos sobre os respectivos lucros em todas as jurisdições de atuação.

Em entrevista ao InfoMoney, Daniel Loria, diretor de programa da Secretaria Extraordinária de Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, argumenta que a medida provisória introduz no Brasil o Qualified Domestic Minimum Top-up Tax (QDMTT), da OCDE, e que representa acordo do qual o país participava há cerca de 10 anos.

“Passamos por 3 ou 4 administrações de presidentes do Brasil [discutindo]. Esse pedaço do ‘Pilar 2’ está maduro, vários países começaram a implantar nas suas legislações em 2024 e implantarão mais intensamente em 2025″, sustenta.

“Trata-se basicamente de um acordo global de alocação de poder de tributar para cada país. É um grande combinado [entre os países do mundo] para tributar um grande grupo multinacional em pelo menos 15%. O ‘Pilar 2’ fala como se aloca o lucro para cada país”, explica o diretor do Ministério da Fazenda.

Segundo a equipe econômica, a cobrança adicional será aplicada a 290 grupos multinacionais que atuam no país, sendo 20 deles brasileiros. Os técnicos estimam impacto positivo sobre a arrecadação de R$ 3,4 bilhões em 2026 e R$ 7,3 bilhões em 2027.

Na exposição de motivos da MPV, integrantes do governo destacam que as Regras GloBE foram desenhadas de modo que sua cobrança seja inevitável e 37 países já instituíram o instrumento. Pelo desenho, a nova receita tributária surgirá independentemente de a jurisdição onde ocorre a subtributação, já que o grupo multinacional será obrigado a pagá-la em jurisdições onde atue e que tenham adotado as novas regras da OCDE.

Como a OCDE vê a tributação

Por meio da Regra de Inclusão de Rendimentos (Income Inclusion Rule – IIR, da sigla em inglês), impõe-se um tributo complementar sobre uma investidora, relativamente aos rendimentos subtributados de uma entidade constituinte investida.

Já por meio da Undertaxed Payments Rule (UTPR), uma dedução é negada ou um ajuste equivalente é requerido na medida em que o rendimento subtributado de uma entidade constituinte do grupo empresarial não é submetido à IIR.

Por meio da IIR, o tributo complementar relativo a uma entidade localizada em uma jurisdição de baixa tributação, ou seja, sujeita a uma alíquota efetiva inferior a 15%, será

alocado entre os países com base em uma abordagem top-down, sujeita a uma

regra de split-ownership (propriedade dividida) no caso de participações abaixo de 80%.

Em termos práticos, pela abordagem top-down, o tributo complementar será recolhido e cobrado das investidoras localizadas nas jurisdições do nível mais alto da cadeia societária, em geral, a entidade controladora final, caso a jurisdição tenha implementado a IIR. Caso não a tenha implementado, a prioridade para cobrança e a obrigatoriedade do recolhimento “desce” do nível de cima para o nível imediatamente inferior (top-down), alcançando as jurisdições das investidoras intermediárias.

Já por meio da UTPR, o referido tributo complementar será alocado às jurisdições que implementaram a regra e onde estão estabelecidas as entidades do grupo multinacional. Nesse caso, o montante a ser cobrado de cada entidade constituinte será calculado por meio de uma regra que utiliza o montante de ativos tangíveis e a quantidade de empregados como parâmetros.

“A primeira ferramenta é o QDMTT, em que cada país cria seu imposto doméstico para alcançar os lucros produzidos por determinado grupo naquele país. Se algum país não fizer isso (aplicar a tributação mínima de 15%), se o Brasil não fizer isso, entra a segunda ferramenta, que é o que chamam de IIR. Ele diz que se o seu país não tiver o QDMTT e estiver tributando abaixo de 15% de alíquota efetiva, o país da controladora poderá alcançar aquele lucro e tributá-lo a 15% no seu país de origem”, explica Loria.

Por último, há uma terceira e mais poderosa ferramenta, o Undertaxed Payments Rule (UTPR), em que os lucros obtidos por uma multinacional de uma jurisdição sem IIR em um país que não cobra QDMTT poderiam ser objeto de tributação em um terceiro país.

A alegação do governo é de que, diante dessas mudanças, se nada fosse feito, o Brasil poderia perder tributação para os países das controladoras. “Nós demos o primeiro passo na implantação do ‘Pilar 2’, com o QDMTT. Não trouxemos o IIR nem o UTPR“, explicou Loria. Ainda assim, o movimento tem gerado questionamentos.

O que preocupa os empresários

Lideranças empresariais argumentam que o adicional da CSLL implementa apenas a “parte doméstica” da tributação mínima de 15% discutida na OCDE, limitando o impacto de benefícios e deduções legais. Eles pontuam que a medida, no entanto, mantém a Tributação de Bases Universais (TBU), tema ainda em debate pela equipe econômica, a 34%. O resultado, alegam, é a criação de uma desvantagem competitiva para empresas brasileiras no cenário internacional.

Um quadro comparativo ilustra o cenário. Atualmente, eles dizem que o lucro no Brasil é tributado em 10%, e da empresa brasileira obtido no exterior em 34%. Em um exercício hipotético, considerando os dois valores iguais, a alíquota efetiva seria de 22% ─ 7 pontos percentuais a mais do que o mínimo global de 15% previsto na regra da OCDE.

Caso mudanças sejam implementadas, os empresários veem um aumento de 5 pontos percentuais na tributação sobre o lucro no Brasil, passando aos 15% indicados. No mesmo exercício hipotético, considerando tributação de 34% sobre lucros no exterior, a alíquota efetiva poderia saltar para 24,5% ─ 9,5 pontos percentuais acima do mínimo.

“Se as coisas caminharem nessa direção, veremos multinacionais brasileiras mudando de país“, criticou um empresário sob a condição de anonimato. Ele defende que, para que as regras do “Pilar 2” da OCDE possam ser implementadas sem comprometer a competitividade das empresas brasileiras, é “essencial” estabelecer uma regra de transição que leve o TBU para 15%. Isso evitaria uma desvantagem para companhias nacionais em relação às estrangeiras.

Críticos também alegam que mais da metade dos investimentos no Brasil vêm de jurisdições relevantes que não adotaram o sistema do “Pilar 2”, como Estados Unidos e China. O fato de o Brasil adotar uma regra que não conta com a adesão de grandes players faz com que o plano represente apenas aumento de carga no país, mas com efeitos práticos limitados em nível global.

“Se fizerem esse aumento [de carga para multinacionais brasileiras] e ainda cobrarem [imposto sobre a distribuição de] Juros sobre o Capital Próprio, vai ser um baque dobrado”, observou o deputado federal Joaquim Passarinho (PL-PA), líder da Frente Parlamentar do Empreendedorismo (FPE).

“Ninguém está falando que não quer que o governo arrecade, não é isso. Antigamente, para tirar a sede de uma multinacional daqui, era preciso mudar quase um prédio. Hoje, é só pegar os executivos e mandar para a Argentina. A sede está lá, nós perdemos os 15% e ficamos sem nada”, prosseguiu.

O parlamentar argumenta que os pilares da OCDE também têm mecanismos de mitigação de carga tributária, e que não teriam a mesma observância por parte do governo brasileiro em relação ao Tributo em Bases Universais.

Uma das principais fontes de preocupação de empresários reside no fato de os prazos de dois benefícios tributários a multinacionais com sede no país se encerrarem em dezembro: 1) crédito presumido de 9% para indústrias com operações no exterior; e 2) consolidação de lucros e prejuízos entre controladas no exterior.

Governo reconhece que medida tem forte impacto

Daniel Loria, do Ministério da Fazenda, reconheceu os fortes impactos das atuais regras de tributação em bases universais para as companhias brasileiras com atuação internacional e a importância de instrumentos de mitigação.

“O que temos falado no ministério é que ou prorrogamos esses atributos ou revisamos essas regras de uma vez. Alguma coisa vamos fazer”, assegurou.

A prorrogação dos benefícios, no entanto, não foi incorporada à medida provisória em tramitação no Congresso Nacional. Em tese, o governo poderia trabalhar pela inclusão durante as discussões dos parlamentares ou tratar do instrumento em outro dispositivo.

No primeiro caso, a preocupação de empresários é que a apreciação da MPV fique apenas para o ano que vem, tendo em vista os desafios recentes para medidas provisórias no Poder Legislativo e a agenda congestionada nas duas casas a pouco menos de um mês do início do recesso parlamentar.

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