Manobra visa liberar reajustes e renúncias tributárias em ano eleitoral, apesar do rombo nas contas públicas
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) está tentando driblar o próprio arcabouço fiscal, aprovado sob sua gestão, para abrir espaço para mais gastos em 2026, ano das próximas eleições. A proposta permitiria reajustes salariais no funcionalismo público e novas renúncias tributárias, mesmo com o déficit previsto de R$ 73,5 bilhões nas contas da União em 2025.
A tentativa de flexibilizar a regra fiscal gerou reação imediata do Tribunal de Contas da União (TCU) e das consultorias de Orçamento da Câmara e do Senado, que consideraram a manobra ilegal e eleitoreira.
Governo tenta afrouxar a própria regra
A regra contestada faz parte do novo arcabouço fiscal, criado pelo próprio governo Lula e aprovado no fim de 2024. Ela proíbe o aumento real de gastos com pessoal e novos benefícios tributários quando houver déficit fiscal no ano anterior.
Mesmo assim, o Executivo inseriu na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2026 um artigo para suspender temporariamente a aplicação dessa regra, permitindo que o governo aumente salários e conceda incentivos fiscais em pleno ano eleitoral.
Na prática, o texto abriria caminho para reajustes e contratações que somam R$ 11,4 bilhões no serviço público federal e manteria isenções, como o programa Redata, voltado para empresas de data center — benefícios usados para agradar setores estratégicos e aliados políticos.
TCU e Congresso barram manobra
A reação veio rápido. O TCU e os técnicos das consultorias da Câmara e do Senado rejeitaram o argumento da equipe econômica, segundo o qual a restrição só valeria em 2027. Para os órgãos de controle, a regra é clara: o gatilho deve ser aplicado imediatamente no ano seguinte ao déficit, ou seja, em 2026.
Em nota conjunta, as consultorias legislativas classificaram a manobra como “interpretação ilegal e sem base na lei complementar” que criou o arcabouço.
O relator da LDO, deputado Gervásio Maia (PSB-PB), acabou retirando do texto final o dispositivo que afastava a regra fiscal, ampliando o impasse entre Executivo e Legislativo.
Críticas à postura do governo
Para críticos e parlamentares da oposição, a tentativa de Lula de afrouxar o controle fiscal expõe o caráter populista e eleitoreiro do governo, que estaria usando o Orçamento como instrumento político para 2026.
O senador Rogério Marinho (PL-RN) afirmou que o episódio “revela o desprezo do PT pela responsabilidade fiscal e pela própria lei que criou”. Já o deputado Kim Kataguiri (União-SP) disse que a manobra “é mais uma pedalada disfarçada, com o mesmo objetivo de sempre: gastar mais e empurrar a conta para o contribuinte”.
Economistas independentes também alertam para o risco de perda de credibilidade e pressão sobre os juros e o dólar. “O governo cria uma regra para acalmar o mercado e, meses depois, tenta contorná-la. Isso destrói qualquer confiança”, afirmou um consultor ouvido pela Gazeta do Povo.
Impasse no Congresso e crise política
Além da disputa em torno da regra fiscal, o atraso na liberação de emendas parlamentares e as tensões entre Lula e o Centrão têm travado a votação da LDO.
A crise se aprofundou após o Congresso rejeitar a medida provisória que elevaria a arrecadação com o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), estimada em R$ 20,9 bilhões — dinheiro que o Planalto contava para cobrir promessas de campanha e novos programas sociais em 2026.
Lula repete erros do passado
O episódio reacende o debate sobre a falta de compromisso fiscal do governo petista, semelhante ao que marcou os anos finais de Dilma Rousseff e levou à crise econômica de 2015-2016.
Críticos lembram que Lula tem usado o discurso de “cuidar do povo” para justificar aumento de gastos, enquanto o país enfrenta baixo crescimento, inflação de alimentos e perda de confiança do investidor.
“Lula parece disposto a sacrificar o equilíbrio fiscal em troca de dividendos eleitorais. É a velha fórmula do populismo econômico: gastar hoje e deixar a conta para o próximo governo”, resumiu Rodrigo Constantino, colunista da Gazeta do Povo.
Se a manobra for mantida, o governo poderá romper com o próprio arcabouço fiscal em menos de dois anos de vigência, transformando uma regra criada para dar estabilidade nas contas públicas em mais um instrumento de conveniência política — um retrocesso perigoso para a credibilidade do país.