A pressão sobre o orçamento federal em razão das despesas obrigatórias, com as sobras em disputa entre Executivo e Legislativo, tem provocado efeitos concretos no funcionamento das agências reguladoras. Com recursos insuficientes, o foco dos gestores é “garantir o essencial”. Na prática, multiplicam-se as filas para registro de medicamentos; fiscalizações estão enfraquecidas; certificações, paralisadas; e exportações, atrasadas.
O levantamento feito pelo Estadão/Broadcast com dados do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (Siop), do Ministério do Planejamento, mostra que dez das 11 agências federais foram afetadas por cortes na última década. Em 2016, com dez agências, foram liberados R$ 6,4 bilhões na Lei Orçamentária Anual (LOA), em valores corrigidos pela inflação. Neste ano, com uma reguladora a mais, os recursos somam R$ 5,4 bilhões. Considerando as despesas fixas com servidores, as quedas no quadro geral chegam a 41%. Em nota, o Ministério do Planejamento disse que não comentaria o assunto.
As verbas para custeio e novos investimentos estão ainda mais comprimidas. Nesse recorte, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) tem uma redução de quase 65% dos recursos. Para a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), as reduções superam 40%.
Em uma operação de emergência financeira no meio do ano passado, o Ministério dos Transportes precisou repassar R$ 18 milhões do próprio caixa para socorrer a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Com orçamento insuficiente para as atribuições básicas enquanto vê disparar o número de concessões rodoviárias, o socorro também foi feito a partir do repasse de parte das despesas obrigatórias da ANTT para a Infra S.A., estatal do governo, e até para as próprias concessionárias de rodovias.
A falta de caixa encontra, de maneira direta e indireta, o bolso da população. A Anac aponta atraso na certificação de aeronaves da Embraer, o que pode encarecer o preço das passagens aéreas. Provas teóricas para pilotos quase foram canceladas por falta de pagamento da Anac à Fundação Getulio Vargas (FGV). Na Saúde, filas para registro de medicamentos se alongam com o enfraquecimento financeiro da Anvisa.
Pessoal
O quadro de colaboradores também sofre desidratação, apesar da crescente demanda nas operações dos órgãos vinculados ao Executivo. A Anvisa tinha 2 mil servidores em 2016 e, no extrato deste ano, tem 1,4 mil, registrando a queda mais acentuada entre as reguladoras (-36,5%) ao longo da última década. O mesmo ocorre em praticamente todas, com exceção da ANA, que tem um quadro quase inalterado.
O número de servidores em baixa é refletido no volume de recursos liberados anualmente para esse fim. Com as cifras corrigidas pela inflação, todas as agências tiveram redução desse tipo de verba.
Para o presidente do Sindicato Nacional dos Servidores das Agências de Regulação (Sinagências), Fabio Rosa, a sangria orçamentária já superou o limite suportado pelos órgãos. Para ilustrar o preço de uma fiscalização enfraquecida, relembra tragédias como Mariana, Brumadinho e os apagões elétricos.
O representante sindical destaca um problema mais invisível: sem recursos, as reguladoras estão cada vez mais incapazes de criar condições para ampliar seus respectivos mercados.
Sem pessoal e orçamento adequados, os gestores das agências são forçados a fazer escolhas, renunciando a parte de suas competências, avalia Fabio Rosa, que alerta que essa realidade compromete o desempenho esperado e previsto na lei de criação de cada reguladora. “Se não tiver condições de executar a minha missão institucional, infelizmente vamos caminhar mesmo para a irrelevância, o que é o desejo de muitos”, afirma o presidente do Sinagências.
Movimentações do Poder Público
O deputado Júlio Lopes (PP-RJ), que comanda a Frente Parlamentar pelo Brasil Competitivo, defende uma maior blindagem orçamentária das agências. Ele cita a ANP, que cogitou suspender o monitoramento da qualidade de combustíveis justamente por falta de recursos: “Abrir essa guarda é um convite à pirataria”. Para o parlamentar, emendas impositivas e contingenciamentos sucessivos explicam a instabilidade: “Estamos vendendo o almoço para pagar o jantar − e, às vezes, ficamos sem café da manhã”.
Há, por parte do governo, promessa de recomposição do quadro de servidores. Com concurso público recente, a ANTT fez a convocação de 50 efetivos e espera liberação para convocar outros 70 neste ano. Ainda assim, ficará com menos colaboradores que há dez anos, quando o País tinha cerca de 20 concessões rodoviárias, empreendimentos que exigem fiscalização direta do órgão. Hoje, já são 32 com contratos assinados e, conforme a carteira de novos projetos do governo, com leilões em curso, o número de concessionárias deve mais que dobrar já no final do próximo ano.
Apesar de concordar que há necessidade de recomposição de receita e de servidores para parte das reguladoras, o secretário executivo do Ministério dos Transportes, George Santoro, questiona se é de fato um quadro generalizado. Ele diz que, no caso da ANTT, é nítido o aumento de demanda e, por isso, também a necessidade de recursos. “Mas não tenho claro se isso é um problema de todas as agências”, afirma, ao cobrar atenção dos órgãos para o fato de o orçamento federal estar comprimido.
No mesmo sentido, o deputado Júlio Lopes diz haver falhas estruturais nas reguladoras que acarretam custos que poderiam ser reduzidos, como a partir da digitalização de parte dos serviços. “Então, por óbvio, esse sistema precisa ser revisto de uma maneira mais ampla também. Tenho cobrado muito das agências sempre em que estou com elas”, afirma o parlamentar.