O crédito destinado à indústria de transformação brasileira despencou 40% entre 2012 e 2024, conforme levantamento divulgado nesta quinta-feira (23) pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). Com base em dados do Banco Central, o estudo mostra uma mudança profunda no perfil do crédito no país, com o sistema financeiro direcionando cada vez mais recursos para o consumo das famílias em detrimento da produção.
De acordo com a entidade, a retração não é isolada. No mesmo período, o crédito também caiu 38% na indústria extrativa e 29% na construção civil. Em sentido oposto, houve forte expansão em outros segmentos da economia como a administração pública (+118%), pessoas físicas (+97%), serviços financeiros (+49%), agropecuária (+38%), e eletricidade, gás e água (+20%).
Com esse movimento, a participação da indústria no total do crédito da economia brasileira recuou de 27,2% para 13,7%, praticamente a metade do que representava há 12 anos.
“O crédito para a indústria tem um efeito multiplicador ímpar sobre os demais setores produtivos e é fundamental para o crescimento consistente do país. O sistema financeiro tem priorizado o consumo em detrimento da produção, comprometendo investimento, inovação e competitividade”, afirma o presidente da CNI, Ricardo Alban. Segundo o executivo, é preciso criar condições de financiamento mais adequadas para sustentar o crescimento produtivo do país.
Mudança estrutural
De acordo com a CNI, a queda na oferta de crédito à indústria não decorre de uma retração geral dos bancos, mas de uma realocação dos recursos disponíveis.
Em 2012, as empresas respondiam por 55% do crédito total, enquanto as pessoas físicas detinham 45%. Doze anos depois, essa proporção se inverteu: 63% do crédito vai para pessoas físicas, contra 37% para pessoas jurídicas, informa a entidade.
“O resultado é um sistema financeiro mais voltado ao consumo das famílias, mas que deixa a produção industrial em desvantagem.”
A redução é ainda mais acentuada nos financiamentos de médio e longo prazos, justamente os mais importantes para investimentos em modernização, tecnologia e inovação no setor produtivo.
Recuo do crédito à indústria entre 2012 e 2024
Curto prazo– 33%
Médio prazo– 55%
Longo prazo– 64%
Efeitos práticos
Toda essa mudança estrutural fez com que os empréstimos de curto prazo ganhassem peso na estrutura de financiamento industrial, segundo a CNI. Essa modalidade representava 73% do total em 2012 e saltou para 82% em 2024.
A escassez de crédito, conforme o estudo, afeta tanto o capital de giro das empresas quanto a capacidade de investimento no futuro. Sem linhas de médio e longo prazos, a indústria perde espaço para concorrentes estrangeiros, não consegue modernizar seu parque fabril nem acompanhar a demanda estimulada pelo crédito ao consumo.
“Na prática, o descompasso entre crédito ao consumo e crédito produtivo gera pressão inflacionária e crescimento das importações”, disse.
Como a produção nacional não acompanha o aumento da demanda interna, o consumo acaba sendo suprido por produtos vindos do exterior, fragilizando ainda mais a balança comercial e a competitividade da indústria de transformação.
Década de retração
A CNI lembra que o crédito industrial se manteve estável até 2014, mas despencou a partir da crise de 2015–2016, quando a taxa Selic chegou a 14,25% ao ano. Em 2017, o crédito à indústria já havia encolhido 34% em relação a 2012. Durante a pandemia, em 2020, houve um alívio temporário com o aumento do crédito de curto prazo, impulsionado por juros baixos e necessidade de caixa imediato. Mas a trajetória de queda foi retomada nos anos seguintes.
Para a CNI, o encolhimento do crédito industrial afeta toda a economia brasileira. Isso porque, sem investimento suficiente, a produção não acompanha o consumo, o que amplia a dependência de importações e compromete o crescimento de longo prazo.
Além de prejudicar a capacidade produtiva e inovadora, o cenário reforça o desequilíbrio estrutural entre crédito e investimento no país.
“Sem crédito de longo prazo, a indústria perde o motor da modernização e o país perde competitividade. Precisamos reconstruir instrumentos de financiamento voltados ao investimento produtivo”, conclui Alban.