O Banco Central (BC) está focado nas stablecoins, criptomoedas atreladas a ativos como o dólar, real e euro, que estão sendo negociadas por brasileiros. Na semana passada, o BC propôs equiparar as operações com esses criptoativos, como o “cripto dólar” Tether (USDT), às regras que regem o mercado de câmbio. A sugestão foi incluída na proposta de regulação das prestadoras de serviços de ativos virtuais (PSAVs) no contexto do comércio global de moedas estrangeiras, cujas discussões começaram no mês passado.
Segundo o BC, o objetivo dessa medida é proporcionar segurança jurídica para os serviços prestados a cidadãos e empresas, além de aumentar a competitividade e eficiência do mercado de câmbio e das operações de capitais internacionais, com uma regulação proporcional ao risco das atividades.
Um dos artigos da proposta gerou polêmica. O Banco Central afirmou que as prestadoras de serviços de ativos virtuais não poderão mais transferir ativos virtuais denominados em moeda estrangeira para carteiras autocustodiadas. Isso significa que, se a proposta for aprovada, os investidores não poderão mais armazenar suas stablecoins em carteiras pessoais, sendo obrigados a manter esses criptoativos em exchanges autorizadas.
Thássila Victória Nogueira, advogada associada do Cascione Advogados, explicou que isso implica uma restrição de transferências de stablecoins para carteiras autocustodiadas, sendo permitida a transferência apenas para carteiras custodiadas por PSAVs atuando como custodiante ou corretora de ativos virtuais.
Tatiana Mello Guazzelli, sócia da área empresarial de Pinheiro Neto Advogados, afirmou que a lógica por trás dessa medida é criar obstáculos para evitar que negociações de stablecoins ocorram fora do mercado de câmbio, estabelecendo mecanismos que impeçam transferências fora desse mercado.
O movimento ocorre no contexto de um aumento significativo no uso de stablecoins no Brasil. De acordo com dados da Receita Federal divulgados em outubro, dos R$ 247,8 bilhões em criptoativos movimentados por brasileiros entre janeiro e setembro deste ano, quase 70% eram de stablecoins. O USDT, a principal stablecoin, representou R$ 153,7 bilhões desse total. Para efeito de comparação, o volume de transações com Bitcoin (BTC) foi de R$ 35 bilhões no mesmo período.
Rodrigo Borges, sócio no Carvalho Borges Araujo Advogados, explicou que o Banco Central está tomando essa medida devido ao crescente uso desses ativos como alternativa ao mercado de câmbio tradicional, dada a agilidade e baixo custo das operações.
Além do aumento no uso de stablecoins, essas criptomoedas também têm sido usadas em esquemas criminosos. Em outubro, a Polícia Federal deflagrou uma operação contra operadores do mercado financeiro acusados de prestar serviços para organizações criminosas e converter dinheiro ilícito em criptomoedas, que eram então enviadas para o exterior e convertidas em dólares, num esquema conhecido como “cripto-cabo”.
A Associação Brasileira de Criptoeconomia (ABcripto) manifestou apoio à consulta pública do Banco Central e afirmou que participará ativamente do processo. As contribuições para a proposta podem ser enviadas até 28 de fevereiro de 2025, por meio do portal Participa + Brasil. Bernardo Srur, CEO da ABcripto, destacou que a regulamentação deve ser elaborada de maneira colaborativa, garantindo clareza, segurança e proporcionalidade no tratamento das atividades.
O marco legal das criptomoedas, sancionado no final de 2022, estabelece diretrizes para a regulamentação do setor. O BC foi designado como regulador da área e, desde meados de 2023, tem realizado consultas públicas para coletar opiniões de especialistas. O objetivo é finalizar a regulamentação das criptomoedas até 2025.