Especialistas destacam que desconto com o bônus de Itaipu levou a uma desaceleração no indicador no mês, mas que a análise qualitativa da inflação oficial mostra contínuos riscos de alta
O alívio observado no IPCA em janeiro, com uma alta de apenas 0,16% na comparação mensal — a menor para o mês de janeiro desde 1994 –, pode dar uma impressão de desaceleração da inflação oficial, mas precisa ser relativizado porque houve piora qualitativa do indicador, alerta economistas. O principal motivo é que a variação bem abaixo dos 0,52% de dezembro foi essencialmente motivada por um fator temporário: o bônus de Itaipu nas contas de luz.
Com o resultado anunciado hoje, o IPCA acumulado em 12 meses caiu de 4,83% para 4,56%, ainda acima do teto da meta de 2025.
“A inflação mais fraca de janeiro é reflexo, principalmente, do impacto do bônus de Itaipu nas contas de luz, que fez com que os preços da energia elétrica residencial recuassem 14,21%. Sem esse desconto, a inflação teria subido cerca de 0,7% no mês passado”, destaca Claudia Moreno, economista do C6 Bank.
Ela calcula que, em fevereiro, sem o bônus e com a normalização do preço da energia, o IPCA em 12 meses deve voltar a subir para cerca de 5%.
Claudia alerta que, de maneira geral, a inflação segue preocupante, com os núcleos em trajetória de alta. “A inflação de serviços subjacentes, por exemplo, acelerou de 5,8% em dezembro para 5,9% em janeiro – patamar bastante elevado”, diz.
A economista do C6 Bank lembra que, com o mercado de trabalho aquecido, o custo da mão de obra tende a aumentar, o que deve continuar pressionando a inflação de serviços. “Nossa projeção é de que o IPCA feche 2025 em 5,9%, impulsionado também pela perspectiva de câmbio depreciado.”
A projeção é que o Comitê de Política Monetária (Copom) deve manter o ritmo de alta dos juros já sinalizado para tentar controlar a inflação, com uma nova alta de 1 ponto percentual na Selic, para 14,25%, na reunião de março. “Nossa expectativa é de que a Selic termine o ano em 15%, mas não descartamos uma alta mais acentuada, dadas as projeções para o IPCA.”
Para a XP, que também chama a atenção para a variação geral do indicador abaixo da sazonalidade por conta dos preços de energia, a leitura do IPCA em janeiro não altera a avaliação de que a inflação vai acelerar ao longo de 2025.
Na análise, é lembrando que os serviços essenciais avançaram 0,86% em relação ao mês anterior, um abaixo da expectativa de 0,93%, enquanto o núcleo de serviços da média trimestral ajustada passou de 8,6% para 7,6%.
“O avanço menor do que o esperado nos preços de ‘alimentação fora de casa’ explica essa diferença, mas destacamos que os serviços intensivos em mão de obra continuam em uma tendência de alta preocupante”, diz a XP, detalhando que a média trimestral anualizada desses preços aumentou para 7,4% em janeiro, em comparação com 6,4% em dezembro. “Considerando tudo, essa leitura da IPCA reforça nossa visão de que a inflação de serviços acelerará ao longo de 2025.”
A XP concorda que a leitura de hoje reforça a necessidade de o BC persistir em sua estratégia de aperto monetário. “Consideramos um cenário de aumentos de 100 pontos-base, 75 bps e 50 bps nas próximas reuniões, levando a taxa Selic a 15,5%. (…) Mantemos nossa projeção de 6,1% para a inflação do IPCA em 2025.”
Processo inflacionário em curso
Na opinião de Leonardo Costa, economista do ASA, a taxa mensal menor do que o esperado para os núcleos do IPCA de janeiro ainda é modesta perante o movimento de elevação dos últimos meses, ou seja, o processo inflacionário ainda está em curso, com preocupação especial sobre o núcleo de serviços.
“O IPCA mais ameno de janeiro deve dar lugar a uma taxa mensal mais pressionada em fevereiro, com o fim do desconto sobre a energia elétrica, o aumento do imposto estadual sobre os combustíveis e o reajuste sazonal dos serviços de educação, o que deve distanciar ainda mais a inflação em 12 meses do teto do regime de metas de inflação”, prevê Costa.
Marcelo Bolzan, planejador financeiro e sócio da The Hill Capital, por sua vez, destaca que os preços de transportes tiveram uma contribuição de 1,30% em janeiro, muito por conta do aumento do preço dos combustíveis. “A gente teve reajuste, principalmente de passagens aéreas, ônibus urbanos. E também como a gente já imaginava e todo mundo vem comentando sobre a inflação de alimentos, tivemos uma elevação de alimentos e bebidas de 0,96%”, comenta.
Para ele, esse resultado de janeiro não vai mudar a trajetória de subida de juros pelo Banco Central para março. “Lembrando aqui que já estava bem aguardado como um guidance de mais uma subida de um ponto percentual. Então, isso não vai fazer com que acelere, nem que ele reduza o ritmo”, diz.
Transportes e Alimentos
Na análise de André Valério, economista sênior do Inter, no mês, as principais contribuições de alta foram os grupos de Transportes e Alimentação e Bebidas. “O primeiro refletiu a alta de mais de 10% das passagens aéreas, mas também o avanço nas tarifas de ônibus, assim como dos combustíveis, com altas de 3,84% e 0,75%, respectivamente”, explica.
No segundo grupo citado, Valério destaca que Alimentação e Bebidas registrou alta pelo quinto mês consecutivo, principalmente devido à elevação de 1,07% na alimentação em domicílio. que sofre nos últimos meses com as condições adversas de oferta. Por outro lado, alimentação fora do domicílio desacelerou de 1,19% em dezembro para 0,67% em janeiro.
Ele cita também que o núcleo da inflação, medida que retira do cálculo os itens mais voláteis, acelerou em janeiro, como antecipado pelo IPCA-15, saindo de 0,57% em dezembro para 0,61% em janeiro.
Já a inflação de serviços também apresentou aceleração, saindo de 0,66% em dezembro para 0,78%, influenciada pela alta de 10% das passagens aéreas, mas também indicando uma pressão de inflação mais disseminada no setor de serviços.
“A inflação de serviços ex-passagens aéreas registrou alta de 0,58%, enquanto os serviços subjacentes e serviços intensivos em trabalho registraram altas de 0,86% e 0,74%. Essas duas últimas medidas são mais sensíveis às condições do mercado de trabalho e indicam um repasse do aperto observado no emprego para a inflação.”
Sobre os impactos nas decisões do Copom, Valério lembra que, como o comitê deixou em aberto os passos seguintes, a partir de maio, as principais variáveis para se observar nos próximos meses estão ligadas à atividade e mercado de trabalho.
“Os primeiros sinais de desaceleração já podem ser observados e podem contribuir para desacelerar a inflação, principalmente de serviços, considerando a força do choque de juros que começa a ser sentida com as condições financeiras mais restritivas. Nesse cenário de desaceleração da atividade mais acentuada, o Copom pode inclusive pausar o ciclo de alta antes da expectativa atual do mercado”, afirma.
Igor Cadilhac, economista do PicPay, também alerta que, apesar de o IPCA de janeiro ter sido o menor para um mês desde a implantação do Plano Real, qualitativamente o resultado foi novamente preocupante.
“A média móvel dos últimos três meses, dessazonalizada e anualizada, indica que os serviços subjacentes estão próximos de uma taxa de 8%, enquanto os bens industriais subjacentes deixaram seu melhor momento para trás”, destaca.
Ele explica que esses componentes fazem parte do núcleo EX3, que está mais diretamente relacionado à atividade econômica e à política monetária, portanto é provável que o Banco Central mantenha uma postura rigorosa em relação à condução da política monetária.
“Olhando à frente, nossa projeção para inflação em 2025 é de 5,6%. Seguimos vendo uma assimetria altista no balanço de riscos”, estima.
Nicolas Borsoi, economista-chefe da Nova Futura Investimentos, concorda que o IPCA cheio de janeiro não reflete a significativa piora que continua ocorrendo na qualidade da inflação, tanto pelas acelerações nas medidas subjacentes, quanto nos núcleos do IPCA.
“Mesmo diante de uma maior contenção cambial, que tem despressurizado a alimentação e os manufaturados, fica claro que a baixa ociosidade da economia continua pressionando os itens mais relacionados ao ciclo de política monetária”, explica.
Borsoi diz que, por enquanto, não há motivos para alterar o cenário de IPCA estimado pela Nova Futura, com avanços de 5,91% no IPCA de 2025 e de 4,53% para 2026. “Mas já é possível desenhar um viés de alta para o projeção.”