Jorge Messias, chefe da Advocacia-Geral da União, teve pagamento de R$ 308 mil
Pagamentos extraordinários a servidores da Advocacia-Geral da União (AGU) somaram R$ 2,34 bilhões em julho, atingindo pouco mais de 12 mil integrantes da instituição, conforme dados divulgados nesta terça-feira, 2, no Portal da Transparência. A quantia representa o maior valor já repassado em um mês em honorários de sucumbência desde a criação do benefício.
Esse volume recorde sucede um repasse anterior de R$ 1,7 bilhão, realizado no início do ano aos advogados da União. Entre janeiro e julho de 2025, o montante total dessas remunerações extras já alcançou R$ 5 bilhões, segundo levantamento feito pelo jornal Folha de S.Paulo.
Pagamentos individuais e retroativos geram distorções na AGU
Em julho, os pagamentos médios ficaram em torno de R$ 192 mil, porém quase metade dos beneficiados recebeu aproximadamente R$ 310 mil. Entre eles, o ministro Jorge Messias, chefe do órgão, recebeu cerca de R$ 308 mil no mês – o valor equivale a quase R$ 10 mil por dia. No Brasil, a média salarial mensal é inferior a R$ 3,5 mil. Em janeiro, Messias já havia recebido mais de R$ 193 mil, também referente apenas aos honorários.
Os valores são administrados por uma entidade de natureza privada, o Conselho Curador dos Honorários Advocatícios (CCHA), que também contempla seus próprios conselheiros nas distribuições. O presidente do CCHA, Julio Monte, obteve quase R$ 158 mil em julho, depois de receber mais de R$ 125 mil no início do ano.
Grande parte do montante liberado em julho decorre de uma decisão do colegiado que determinou o pagamento do terço de férias sobre o valor dos honorários, com efeito retroativo. Antes, o cálculo considerava apenas o subsídio fixo mensal dos advogados. Em 2025, uma resolução mantida sob sigilo ampliou a base para incluir os honorários.
A aplicação retroativa desse entendimento resultou em pagamentos expressivos que não estão sujeitos ao teto do funcionalismo, fixado atualmente em aproximadamente R$ 46 mil mensais. O conselho informou que há incidência de 27,5% de Imposto de Renda sobre os valores repassados.
Membros da AGU alegam que, caso os pagamentos tivessem ocorrido nos meses corretos, ficariam dentro do limite. Entretanto, o mecanismo adotado permite compensar valores não pagos no passado sempre que há disponibilidade de recursos adicionais no fundo gerido pelo CCHA.
Transparência sob pressão e novas medidas da AGU
O volume de pagamentos bilionários atraiu questionamentos de setores do governo, de outras carreiras e de representantes externos sobre a transparência e o impacto dessas remunerações. Em resposta, a AGU anunciou iniciativas para ampliar o acesso público às informações, depois de um período sem divulgação detalhada.
No final de julho, Messias publicou uma portaria que criou um novo painel de dados sobre a distribuição dos honorários, detalhando os valores individuais recebidos por cada membro da carreira. O painel passou a operar nesta semana, trazendo informações como separação de parcelas pagas e justificativas para cada lançamento.
Anteriormente, o Portal da Transparência apresentava apenas valores totais por servidor e justificativas genéricas. Agora, há detalhamento dos pagamentos por categoria. Em julho, Messias recebeu R$ 272 mil relativos a anos anteriores, dos quais quase R$ 102 mil foram complementações de férias e R$ mais de 170 mil corresponderam a juros e correção monetária.
Adicionalmente, o ministro recebeu cerca de R$ 14 mil do rateio ordinário, quase R$ 17 mil referentes ao terço de férias de 2025, mais de R$ 4 mil de auxílio-saúde e R$ 1 mil de auxílio-alimentação. Já Julio Monte foi contemplado com aproximadamente R$ 122 mil em retroativos, sendo quase R$ 54 mil em juros e correção, além de outros benefícios semelhantes.
Governança e recomendações para o futuro
Na segunda-feira 1º, uma nova portaria instituiu uma estrutura de governança pública para monitorar o CCHA. O Conselho Superior da AGU, composto de representantes das principais carreiras, poderá recomendar medidas como auditorias externas e criação de comissão de ética.
Já na segunda-feira, a primeira recomendação sugeriu que o CCHA elabore, em prazo razoável, uma resolução proibindo a concessão de novos direitos e vantagens retroativas, exceto nas situações de decisão judicial definitiva. Messias afirmou que o conselho deve condicionar a criação de verbas indenizatórias à aprovação prévia do Conselho Superior da AGU, pois essas verbas não se submetem ao teto de remuneração.
Essas recomendações, porém, não têm caráter obrigatório e podem ser desconsideradas pelo CCHA.
Origem e expansão dos honorários de sucumbência
Os honorários de sucumbência foram criados em 2016 como bônus para servidores jurídicos do Executivo federal pela defesa dos interesses da União, contemplando advogados da AGU, procuradores da PGF, da PGFN e do Banco Central.
O crescimento desses pagamentos é atribuído às transações tributárias, estratégia do governo para reforçar a arrecadação e atingir metas fiscais. A legislação prevê que a remuneração extra inclua não só honorários obtidos em vitórias judiciais, mas também parte dos encargos cobrados sobre dívidas ativas da União, independentemente de ação judicial.
A dívida ativa reúne tributos, contribuições previdenciárias e outros débitos em atraso, cuja cobrança é responsabilidade da PGFN, vinculada à AGU. Com aval do ministro Fernando Haddad (PT-SP), a PGFN ampliou o uso de acordos tributários, facilitando a regularização dos devedores e impulsionando tanto a arrecadação quanto os honorários, apesar de integrantes da carreira ressaltarem que em muitos acordos os encargos são quase nulos.