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sábado, 28 setembro, 2024
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Lula reinicia máquina estatal e resgata políticas de governos PT

Por Marina B.

Entre meados de 2016 e 2022, sob os governos de Temer e Bolsonaro, o Brasil experimentou um raro período de redução do Estado empresário. Houve uma retomada das privatizações, embora de forma lenta, com a venda de diversas subsidiárias de estatais e uma série de concessões de portos, aeroportos, rodovias e ferrovias.

Durante pouco mais de seis anos, o número de estatais, que havia aumentado nos primeiros mandatos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e durante a gestão da ex-presidente Dilma Rousseff, caiu quase pela metade, de 228 para 122, conforme dados oficiais. A Lei das Estatais, aprovada em 2016, restringiu a nomeação de políticos, dirigentes partidários e sindicalistas para cargos de comando e conselhos de administração de empresas e bancos públicos, resultando em melhorias na gestão e governança, apesar de incidentes isolados e pressões políticas de Brasília.

Mesmo com desafios ao longo do caminho, parecia que o Brasil estava entrando em uma nova era, centrada na iniciativa privada e na economia de mercado. No entanto, com o retorno de Lula ao Palácio do Planalto, esse novo ciclo foi abruptamente interrompido antes que seus frutos pudessem ser totalmente colhidos. Após quase 18 meses do governo Lula 3, o Estado empresário, característico dos governos anteriores do PT, voltou a ganhar força.

“O governo Lula é movido ideologicamente. Não tem a menor preocupação com custos e aumento de produtividade, que é uma alavanca importante para o desenvolvimento econômico”, afirmou o economista Roberto Castello Branco, ex-presidente da Petrobras (2019-2021) e ex-diretor do Banco Central e da Vale, que foi pressionado por Bolsonaro para manter os preços dos combustíveis baixos e posteriormente demitido. “As empresas estatais são muito ineficientes. Veja o caso da Petrobras: em 2021, a Petrobras tinha 33 mil funcionários a menos do que no início de 2015 e estava produzindo mais petróleo do que antes.”

Em um artigo escrito em 2018, que continua atual, Castello Branco resumiu sua visão sobre o tema: “É inaceitável manter centenas de bilhões de dólares alocados em empresas estatais em atividades que podem ser desempenhadas pela iniciativa privada, enquanto o Estado não tem dinheiro para cumprir obrigações básicas”.

Para o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI), o fortalecimento das estatais visa aumentar suas contribuições para o crescimento econômico. “O governo federal valoriza as empresas estatais, buscando fortalecê-las para que contribuam cada vez mais para o desenvolvimento do País”, declarou o MGI, que herdou a Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais (Sest) do extinto Ministério da Economia, em nota enviada ao Estadão. “Essa valorização pode ser encontrada nas principais economias do mundo e em órgãos multilaterais como o FMI (Fundo Monetário Internacional) e a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), frente a desafios globais como a transição ecológica e a reindustrialização.”

Embora o número de estatais tenha permanecido quase o mesmo, passando de 122 no final de 2022 para 123 atualmente, devido ao “renascimento” da Ceitec, mais conhecida como “a empresa do chip do boi”, que estava em processo de liquidação, as iniciativas estatistas do governo Lula 3 se multiplicam rapidamente e seus efeitos já começam a aparecer.

Pela primeira vez desde 2015, o número de funcionários das estatais não dependentes do Tesouro voltou a crescer. De janeiro de 2023 a março de 2024, quatro mil novos empregados foram contratados, elevando o total de 434 mil para 438 mil – um aumento de 0,9% em 15 meses.

“Hoje, os números ainda não refletem totalmente o que está sendo implementado. É o início de um processo. No futuro, vai ficar pior”, alertou Roberto Castello Branco.

Simultaneamente, as subvenções destinadas às estatais dependentes do Tesouro aumentaram 9% em 2023, para R$ 23,9 bilhões, segundo a Sest. A dívida das empresas do setor produtivo não dependentes do Tesouro, que vinha diminuindo desde 2020 e havia atingido o menor patamar em dez anos em 2022, também cresceu significativamente, 8,9%, atingindo R$ 319,5 bilhões em setembro do ano passado.

Em relação ao lucro líquido, os dados consolidados de 2023 ainda não foram divulgados pela Sest. No entanto, ao considerar apenas as cinco principais estatais (Petrobras, Banco do Brasil, BNDES, Caixa e Correios), houve uma queda de 24% no lucro líquido em 2023, para R$ 182,1 bilhões, principalmente devido à redução de 33% no resultado da Petrobras, de R$ 188,3 bilhões para R$ 124,6 bilhões.

Déficit primário

Os dividendos distribuídos aos acionistas privados e à União pelas sete estatais federais com ações na Bolsa – Petrobras, Banco do Brasil, Caixa Seguridade, BB Seguridade, Banco da Amazônia, Banco do Nordeste e Telebras – também caíram 42%, de acordo com a Elos Ayta Consultoria, passando de R$ 214,2 bilhões em 2022 para R$ 124,4 bilhões em 2023. “Hoje, os números ainda não refletem totalmente o que está sendo implementado. É o início de um processo. No futuro, vai ficar pior”, afirmou Castello Branco.

De acordo com o MGI, a soma do lucro líquido das principais estatais pode levar a distorções na análise. “Em 2023, bancos públicos, como o Banco do Brasil e a Caixa, tiveram grande crescimento em seu lucro líquido. A Petrobras, apesar da queda na cotação global do petróleo, bateu recordes de produção e teve o segundo maior lucro de sua história, demonstrando a importância das estatais para a economia brasileira.”

Contudo, pelas contas do Banco Central, as estatais federais, excluindo a Petrobras, registraram um déficit primário de R$ 656 milhões em 2023, em contraste com um superávit de R$ 4,8 bilhões em 2022. Exceto por 2020, no auge da pandemia, quando houve um rombo de R$ 614 milhões, foi o primeiro resultado negativo desde 2017.

Em seu terceiro mandato, Lula não está apenas seguindo o receituário heterodoxo que marcou as gestões anteriores do PT. Ele também está promovendo uma reversão de quase todas as medidas adotadas após o impeachment de Dilma para reduzir a participação do Estado nos negócios e reforçar a profissionalização da gestão das empresas e bancos públicos.

Parece que Lula quer governar como se pudesse continuar o governo Dilma do ponto em que ela parou. No entanto, ele “se esquece” de que, durante a gestão de Dilma, o Brasil enfrentou sua pior recessão, com uma queda acumulada de 7% no PIB (Produto Interno Bruto) em 2015 e 2016, em grande parte devido ao fracasso da agenda estatista adotada na época, que ele agora busca retomar.

“O grande motor da economia, que vai fazer o Brasil crescer, não vai ser o setor público, mas o setor privado” (Martha Seillier, ex-diretora-executiva do BID).

“São visões diferentes de Brasil”, disse Martha Seillier, ex-diretora-executiva do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e ex-responsável pela secretaria especial do PPI (Programa de Parcerias de Investimento). “O grande motor da economia, que vai fazer o Brasil crescer, não vai ser o setor público, mas o setor privado, até porque estamos numa crise fiscal profunda.”

Logo no início de seu governo, Lula cancelou todas as privatizações em andamento no PPI e até algumas concessões que estavam prontas, como a da Autoridade Portuária de Santos (antiga Codesp), que incluía obrigações para realização de obras de dragagem, melhoria de acessos viários e ferroviários e construção do túnel Santos-Guarujá.

“Não iríamos privatizar o porto, mas fazer a concessão da infraestrutura portuária ao setor privado por um prazo longo, de décadas, e a privatização da estatal responsável pela gestão do porto”, explicou Martha. “Acompanhei missões internacionais para conversar com investidores sobre os projetos mais avançados e vi o interesse global por um ativo como o Porto de Santos. Aí, o governo afasta o investidor privado e diz que o Estado vai fazer o projeto. Vai fazer com que recurso? De onde virá o dinheiro? Esta é a pergunta.”

Nomeações de políticos e correligionários

Além de paralisar privatizações e concessões, Lula contornou a Lei das Estatais, nomeando políticos e correligionários do PT para diretoria e conselho de empresas e bancos públicos, amparado em uma liminar concedida em março de 2023 pelo então ministro do STF, Ricardo Lewandowski, hoje ministro da Justiça e Segurança Pública, em uma ação que questionava a constitucionalidade do dispositivo.

No mês passado, mais de um ano depois, ao julgar o mérito da ação, o STF considerou a Lei das Estatais em conformidade com a Constituição e, portanto, válida. Apesar disso, o STF abriu uma exceção, permitindo que os nomeados antes do julgamento permanecessem nos cargos, mesmo que as nomeações contrariassem a lei.

“Não existe qualquer prova de que os meus colegas que estão em cargos de comando das empresas estatais não estejam qualificados para isso”, declarou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em entrevista coletiva no dia 8 de junho. “Não conheço os diretores dessas empresas, mas conheço o presidente da Petrobras (Jean Paul Prates) e o presidente do Banco do Brasil (Tarciana Medeiros). Qual a falha de governança que existe no fato de o presidente da Petrobras ser uma pessoa próxima do PT? Qual a falha de governança que existe no fato de a presidente do Banco do Brasil estar lá há 30 anos?”

“A profissionalização das estatais foi uma conquista importante, por isso não se pode retroceder agora” (André Clark, ex-presidente da Siemens no Brasil).

No entanto, segundo o MGI, mesmo considerando que “o quadro das empresas públicas federais permanece em evolução, sendo permanentemente aprimorado, a qualidade da gestão é garantida por um conjunto de regras de governança que inclui a Lei das Estatais, o Código das Estatais, além de normas internas e a própria legislação societária”.

O Brasil “tem pressa” e “não pode esperar” por investimentos em infraestrutura, como portos, rodovias e aeroportos, de acordo com André Clark, ex-presidente da Siemens no Brasil e agora vice-presidente da matriz alemã, para América Latina. “Não é possível que se leve a anos ou décadas a realização de investimentos desse porte. Por isso, o papel do setor privado é absolutamente fundamental.”

Para Clark, é essencial não retroceder nos ganhos de gestão, governança e eficiência alcançados pelas estatais. “O mais importante, e para isso não se precisa de privatização, é garantir uma gestão cada vez mais eficiente. A profissionalização das estatais foi uma conquista importante, por isso não se pode retroceder agora”, afirmou.

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