Ao longo dos séculos, raras vezes as competências valorizadas pelo mercado passaram por alterações substanciais. Atualmente, estamos vivenciando um desses momentos. As habilidades técnicas e de análise de dados, que estiveram em alta demanda por décadas, parecem estar mais vulneráveis ao avanço da inteligência artificial (IA). No entanto, outras habilidades, especialmente as interpessoais, que foram por muito tempo subestimadas como “soft skills” – competências sutis relacionadas ao comportamento, como comunicação, interação e colaboração –, mostram-se resilientes. Isso sinaliza que a IA pode inaugurar uma era em que o ambiente de trabalho será mais centrado nas capacidades humanas.
Este cenário nos leva a repensar como estamos capacitando nossos trabalhadores, especialmente no que diz respeito à valorização de habilidades como programação e análise de dados, que continuam a moldar os campos do ensino superior e da formação profissional.
Os primeiros indícios do impacto da IA nos fazem reconsiderar nossa identidade como espécie. Habilidades como comunicação eficaz, empatia e pensamento crítico possibilitaram que os seres humanos colaborassem, inovassem e se adaptassem ao longo dos milênios. Todas essas habilidades são inerentes a nós e podem ser aprimoradas, mas historicamente não receberam a devida valorização em nossa economia ou foram priorizadas em nossa educação e formação. Essa dinâmica precisa ser alterada.
No atual cenário do conhecimento, muitos estudantes focam em adquirir habilidades técnicas, dadas suas vantagens competitivas no mercado de trabalho – e com razão. Ao longo das décadas, essas profissões foram consideradas “à prova do futuro”, devido ao crescimento das empresas de tecnologia e ao fato de que o setor de engenharia oferece os salários mais elevados.
O número de estudantes buscando diplomas em ciência da computação e tecnologia da informação aumentou significativamente entre 2018 e 2023, enquanto a procura por cursos de ciências humanas declinou. Tanto graduados universitários quanto aqueles que precisavam de habilidades adicionais para aproveitar as oportunidades no mercado de trabalho recorreram a diversos programas de treinamento em programação e cursos técnicos online.
Atualmente, observamos o poder da IA generativa, que demonstra habilidades notáveis em redação, programação e tradução (a Microsoft, proprietária do LinkedIn, é uma das principais investidoras nessa tecnologia). Pesquisadores do LinkedIn analisaram recentemente as competências necessárias para diversas ocupações, identificando mais de 500 que podem ser afetadas pela IA generativa. Eles estimam que, ao longo do tempo, essa tecnologia poderá replicar 96% das habilidades atuais de um engenheiro de software, especialmente no domínio de linguagens de programação. Competências relacionadas a cargos como assistente jurídico e gerente financeiro também estarão consideravelmente expostas.
Dada a abrangência do impacto que a IA causará, é altamente presumível que todas as ocupações sejam, de alguma forma, afetadas. Embora a profissão de engenheiro possa persistir, é mais provável que o foco se desloque de codificação para tarefas como colaboração e comunicação. Além disso, espera-se o surgimento de novas categorias de empregos, conforme ocorreu em momentos anteriores de progresso tecnológico, sendo essas funções cada vez mais ancoradas em habilidades humanas.
Diante desse panorama, a grande questão que surge nas discussões sobre IA e trabalho é: quais são as nossas capacidades fundamentais como seres humanos?
Se abordarmos essa questão com apreensão sobre o que resta para as pessoas na era da IA, corremos o risco de ter uma visão limitada da capacidade humana. É crucial começar com a ideia de imaginar as possibilidades para o ser humano neste momento, focando nas habilidades pessoais que nos permitem colaborar e inovar de maneira amplificada pela tecnologia, mas nunca substituída por ela. Independentemente do cargo ou estágio profissional, isso nos permite enfrentar melhor essa mudança histórica.
Atualmente, a comunicação é a habilidade mais demandada no LinkedIn. Mesmo especialistas em IA reconhecem que as competências necessárias para trabalhar efetivamente com essa tecnologia, como dar instruções, são semelhantes às necessárias para uma comunicação eficaz com outras pessoas.
Mais de 70% dos executivos pesquisados pelo LinkedIn no ano passado afirmaram que habilidades interpessoais são mais importantes para suas empresas do que habilidades altamente técnicas em IA. Uma pesquisa recente da Jobs for the Future, uma organização sem fins lucrativos dos Estados Unidos dedicada a promover avanços econômicos e sociais, revelou que 78% dos dez cargos mais solicitados pelos empregadores classificam habilidades e tarefas exclusivamente humanas – como estabelecer relações interpessoais, negociar, orientar e motivar equipes – como “importantes” ou “muito importantes”.
Este é o momento ideal para os líderes de todos os setores desenvolverem novos modelos de aprendizado que estejam diretamente ligados ao futuro de nossa economia, em vez de ao passado. É essencial aplicar ao desenvolvimento de habilidades interpessoais o mesmo rigor que tem sido utilizado no treinamento de habilidades técnicas.
Faculdades e universidades desempenham um papel fundamental nesse processo. Nas últimas décadas, houve uma tendência de priorizar ciência e engenharia, muitas vezes em detrimento das áreas de humanas. Essa abordagem precisa ser reavaliada. Aqueles que não desejam passar quatro anos em um curso universitário devem procurar provedores de treinamento que historicamente enfatizam habilidades interpessoais e estão comprometidos com o desenvolvimento do capital social.
Empregadores precisarão atuar como educadores, não apenas em relação às ferramentas de IA, mas também no desenvolvimento de habilidades interpessoais e colaborativas. Grandes empregadores, como Walmart e American Airlines, já estão explorando maneiras de disponibilizar a IA para os funcionários, permitindo que estes dediquem menos tempo a tarefas rotineiras e mais tempo ao relacionamento pessoal com os clientes.
Em última análise, para nossa sociedade, trata-se de acreditar no potencial humano da mesma forma que acreditamos no potencial da IA. Se o