Dólar Hoje Euro Hoje
domingo, 22 setembro, 2024
Início » Abandonados pela história: Vítimas do teste nuclear americano reclamam compensação

Abandonados pela história: Vítimas do teste nuclear americano reclamam compensação

Por Alexandre G.

Em 1º de março de 1954, os Estados Unidos detonaram a maior bomba nuclear da história no Atol de Bikini, resultando na exposição de várias embarcações de pescadores à radiação.

Setsuko Shimomoto viaja para as Ilhas Marshall para participar de um evento em memória dos 70 anos do teste nuclear Castelo Bravo no Atol de Bikini. Shimomoto acredita que o experimento causou a morte de seu pai.

O teste em 1º de março de 1954, foi muito maior do que o previsto pelos cientistas que desenvolveram a bomba de hidrogênio. Até hoje, o Castle Bravo permanece como a maior bomba nuclear detonada pelos militares americanos. O fracasso em prever as dimensões da explosão, combinado com os ventos fortes na região do Pacífico Central, resultou na dispersão da radiação por uma vasta área no oceano, atingindo mais de mil barcos de pesca japoneses.

O Daigo Fukuryu Maru (Dragão da Sorte 5) é o barco mais conhecido entre os afetados pelo incidente nuclear. Os 23 tripulantes da embarcação sofreram da síndrome da radiação aguda, caracterizada por náuseas, dores de cabeça e nos olhos. Aikichi Kuboyama, um dos tripulantes, faleceu seis meses depois de complicações decorrentes da exposição à radiação.

A história de Toubei Oguro

Atualmente, o Dragão da Sorte 5 está em exposição em um museu em Tóquio. No entanto, assim como outras embarcações de pesca japonesas que foram afetadas na área, junto com cerca de mil pescadores, foram amplamente esquecidas, algo que Shimomoto busca mudar.

“É importante para mim comparecer às Ilhas Marshall neste 70º aniversário. Há dez anos, Matashichi Oishi, um dos tripulantes do Dragão da Sorte 5, esteve presente e fez um discurso”, disse Shimomoto à DW. “Quero expressar o temor em relação à radiação. Desejo que todos os países adiram ao Tratado sobre a Proliferação de Armas Nucleares, que proíbe o desenvolvimento, posse, uso, ameaça e transferência dessas armas.”

Shimomoto também busca aumentar o apoio aos sobreviventes das bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaki, de 1945. Ela pede apoio para uma série de processos legais movidos por pescadores japoneses ou seus familiares contra o governo japonês, solicitando compensações e acesso à assistência médica.

Seu pai, Toubei Oguro, era um pescador de 30 anos a bordo do barco japonês Dai-Nana Dai Maru, que pescava atum, quando o Castle Bravo foi detonado às 6h45 no horário local, em uma plataforma erguida no Atol de Bikini. Seis anos depois, segundo registros, ele foi dispensado devido a uma doença não especificada.

Aos 60 anos, Oguro passou por uma cirurgia para remover três quartos de seu estômago devido a um câncer. No entanto, somente após sua morte, aos 78 anos, em 2002, exames médicos mais detalhados foram realizados nos tripulantes do Dai-Nana Dai Maru e de outras embarcações que estavam no Atol de Bikini em 1954.

Os testes confirmaram anormalidades cromossômicas, mas os esforços dos pescadores para obter reconhecimento e indenizações não foram bem-sucedidos.

Em 1955, os Estados Unidos pagaram ao Japão 2 milhões de dólares como um “gesto de consolo”, mas se recusaram a assumir a responsabilidade politicamente. O governo japonês pagou 2 milhões de ienes (equivalente a R$ 66 mil em valores atuais), a cada tripulante do Dragão da Sorte 5, mas não ofereceu ajuda aos pescadores de outras embarcações. Críticos argumentaram que Tóquio apenas queria encerrar a questão rapidamente para evitar confrontos com os EUA.

“Sem danos à saúde”

O Ministério da Saúde japonês em Tóquio, admitiu que as tripulações de dez navios foram expostas à radiação, mas afirmou que as doses “não atingiram níveis prejudiciais à saúde”.

O assunto foi negligenciado até 1985, quando estudantes de uma escola em Kochi – de onde partiram muitos dos barcos expostos à radiação do Castelo Bravo e de outros testes – entrevistaram os pescadores como parte de um projeto escolar.

A mídia local e, posteriormente, a nacional, divulgaram as histórias dos pescadores e levantaram várias questões. Solicitações de informações ao Ministério da Saúde e Bem-Estar Social sobre o impacto da radiação nos pescadores foram recusadas. O ministério argumentou que os documentos da época não estavam mais disponíveis.

Em resposta a uma série de desafios legais, os burocratas finalmente admitiram em setembro de 2014, que os dados simplesmente não existiam.

A longa demora na divulgação dos documentos, impediu que os pescadores movessem processos legais por compensação contra os EUA. Eles acusam o governo japonês de ter retido essas informações de propósito.

Dois tribunais de primeira instância, arquivaram processos movidos por 31 vítimas, alegando prescrição após 20 anos. Apesar do grupo argumentar que o governo ocultou evidências fundamentais, os tribunais consideraram que as informações não foram ocultadas intencionalmente e mantiveram suas decisões.

Encobrimento

Masayoshi Naito, advogado do escritório Higashi Kanda em Tóquio, que representa um número cada vez menor de vítimas, observou: “Temos que lembrar que esse caso ocorreu logo após o cessar-fogo na Guerra da Coreia e o estabelecimento da República Popular da China [em 1949], e havia preocupação de que o incidente com o Dragão da Sorte pudesse dar impulso ao movimento antinuclear no Japão”.

“Os governos dos EUA e do Japão queriam investigar o que aconteceu nas Ilhas Marshall”, disse Naito, acrescentando que isso poderia ser feito facilmente sob o pretexto de segurança nacional, além do fato de que muitos pescadores expostos à radiação só começariam a manifestar sintomas anos mais tarde.

Os pescadores não protestaram vigorosamente no início por temerem o ostracismo na sociedade japonesa, o que poderia colocar em risco seus meios de subsistência, explicou o advogado.

Naito apelou das decisões dos tribunais de primeira instância em 2019, exigindo que o seguro de saúde para trabalhadores marítimos administrado pelo governo pagasse os custos dos tratamentos de saúde dos pescadores.

Com o caso se encaminhando para uma audiência em Tóquio, Naito admite que não será fácil convencer os juízes, mas acredita que o cerne da questão será “a reação do tribunal ao encobrimento dos fatos pelo governo”.

Você pode se Interessar

Deixe um Comentário

Sobre nós

Somos uma empresa de mídia. Prometemos contar a você o que há de novo nas partes importantes da vida moderna

@2024 – Todos os Direitos Reservados.