Nos últimos dias, o Palácio do Planalto tem sido palco de tensas discussões sobre o pacote de corte de gastos do governo Lula, com ministros e aliados do PT se dividindo sobre como lidar com as demandas fiscais e a sustentabilidade das contas públicas. A proposta, que visa conter as despesas obrigatórias para viabilizar o arcabouço fiscal, tem gerado uma série de desentendimentos internos, refletindo divisões políticas profundas dentro do governo e dentro do próprio PT.
Em uma das reuniões, o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, demonstrou frustração por não ter sido consultado sobre as mudanças propostas para o abono salarial e o seguro-desemprego. Marinho, que representa uma ala mais ligada ao desenvolvimento social, criticou abertamente a postura da equipe econômica, liderada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Ele acusou o governo de não consultar as pastas envolvidas nas mudanças, o que gerou um confronto direto entre os dois ministros.
Haddad, por sua vez, respondeu que a revisão das despesas obrigatórias, incluindo ajustes no abono e no seguro-desemprego, está sendo discutida desde fevereiro. No entanto, Marinho, visivelmente irritado, reafirmou que não havia sido comunicado sobre tais propostas e alertou sobre os riscos de se cortar programas sociais sem uma discussão mais profunda. A tensão entre ambos, já evidente desde a declaração de Marinho de que “não era de bom tom” vazar estudos técnicos sem consulta aos ministérios, expôs as diferentes visões sobre como conduzir a política fiscal do governo.
Divisão dentro do PT
O impasse não se limita à disputa entre os ministros. A divergência também reflete uma divisão dentro do próprio PT. De um lado, há os defensores de uma agenda mais fiscalista, liderados por Haddad, que consideram necessário o corte de despesas para manter a estabilidade das contas públicas. Do outro lado, há a ala desenvolvimentista, que defende mais investimento estatal para impulsionar o crescimento econômico, como é o caso da ministra Esther Dweck (Gestão e Inovação) e de figuras como o professor Lincoln Secco, da USP, que argumentou em um evento promovido pela Fundação Perseu Abramo que o governo precisa priorizar uma política de “neoindustrialização” ao invés de focar excessivamente no ajuste fiscal.
Secco, que participou de um debate sobre os desafios do PT, criticou a política fiscal do governo e sugeriu que a agenda desenvolvimentista deveria ser a prioridade. “Com todo respeito a Haddad, mas quero um governo com mais Esther Dweck e menos Haddad”, disse Secco, destacando a diferença de abordagem entre os setores fiscalista e desenvolvimentista do governo.
Preocupação com a vitória de Trump e o cenário eleitoral de 2026
A divisão interna dentro do governo também se dá no momento em que o PT se vê diante de um cenário internacional potencialmente problemático, especialmente após a vitória de Donald Trump nas eleições dos Estados Unidos. Para o governo Lula, o triunfo de Trump representa um fortalecimento da direita global, o que pode afetar a dinâmica política no Brasil e impactar a oposição. A vitória de Trump, combinada com o avanço da direita em outros países, aumenta as pressões sobre o governo brasileiro, especialmente no que diz respeito à sua agenda fiscal e econômica.
Além disso, a preocupação no governo Lula também se estende para a política doméstica, com o receio de que a redução de benefícios sociais, como o corte de gastos em saúde, educação e Previdência, possa afetar a base de apoio do partido e comprometer a imagem do governo à medida que se aproxima a eleição de 2026.
Debate sobre a Reforma Tributária
O debate sobre a reforma tributária e a necessidade de cortar gastos com benefícios sociais também gerou críticas. O ex-ministro Renato Janine Ribeiro, durante o mesmo evento da Fundação Perseu Abramo, criticou a isenção tributária para os mais ricos e defendeu que a tributação deveria ser mais justa. “É um absurdo que pessoas de renda mais alta não sejam tributadas de maneira justa”, afirmou Janine, ressaltando que não se tratava de um apelo para déficits fiscais, mas sim uma cobrança para que os mais ricos paguem sua parte.
A pressão do mercado sobre o governo para adotar um ajuste fiscal mais rigoroso e cortar gastos foi também um ponto de discussão. Embora o PT tenha defendido que a redução de despesas sociais seja uma medida extrema, a necessidade de equilibrar as contas públicas não pode ser ignorada. O mercado, por sua vez, pressiona o governo a implementar essas medidas, o que tem gerado uma sensação de desconforto dentro do PT, especialmente entre os militantes mais à esquerda, que temem que o governo Lula perca a identidade ao adotar uma postura mais fiscalista.
Desafios para o PT
O cenário interno no governo Lula e a crescente pressão externa colocam o PT em uma situação delicada. Enquanto a ala desenvolvimentista pressiona por mais investimentos para garantir o crescimento econômico, a ala fiscalista argumenta que a manutenção de programas sociais, como o abono salarial e o seguro-desemprego, pode comprometer a sustentabilidade fiscal do país.
A proximidade entre Bolsonaro e Trump é um fator que preocupa a cúpula do PT, já que isso pode intensificar a pressão sobre o governo e dividir ainda mais a opinião pública brasileira.
Com a eleição de 2026 no horizonte, o governo Lula se vê diante de desafios não apenas internos, mas também externos, enquanto tenta equilibrar uma agenda fiscal pragmática com a necessidade de manter a base de apoio do PT e garantir sua identidade política.